Rangel Alves da Costa*
A teledramaturgia brasileira vem sofrendo
perdas irreparáveis. No dia 13 de março morreu o ator Paulo Goulart, aos 81
anos; e agora, neste sábado, 05 de abril, foi a vez de José Wilker interromper
o grande espetáculo de sua vida. E contando apenas com 67 anos de idade.
Indescritível espanto, principalmente pela certeza que fatos assim não deixam
cenas para os próximos capítulos.
Com a partida de José Wilker, o eterno Roque
Santeiro, Mundinho Falcão, Juscelino Kubitschek, Lorde Cigano, Antônio
Conselheiro, Vadinho de Dona Flor, Coronel Jesuíno, Giovanni Improtta e tantos
outros personagens inesquecíveis, fica a certeza de que o conteúdo superou o
tempo. E assim porque muito mais que o grande número de personagens que
representou, conseguiu marcar cada um com a primorosa genialidade da
interpretação.
Não será lembrada apenas a voz rouca, forte,
solene, pausada, premeditadamente expressa; não serão recordados apenas os
gestos quase didáticos, o olhar na profundidade requerida para o instante do
personagem, o bordão dito com a naturalidade cotidiana. Não há que se negar
Wilker, você foi “felomenal!”.
Mas a grandeza do ator estava no homem. A
maestria na representação não era fruto nem da experiência nem de ensaios, mas
da corporificação dos personagens já existentes no homem José Wilker. Ora, indo
além de ser apenas ator, ele possuía uma visão de mundo que transportava para o
cinema, o teatro e a televisão. Nestas esferas é que demonstrava toda sua
potencialidade interior.
Engajado social e politicamente, possuidor de
vasto conhecimento filosófico e sociológico, bem como de cultura popular,
conseguia humanizar seus personagens de modo tal que a ficção ganhava corpo,
carne, sangue e sentimentos. Eis que não era apenas ator de representar, mas de
viver no fundo da alma cada ser que representasse, ainda que um coronel lascivo
ou um bicheiro corrupto e trapalhão.
Para se ter ideia, são poucos os atores que
conseguem ir além do dom da representação para buscar também o dom da
compreensão do mundo e possibilitar maior realismo e humanização aos seus
personagens. Na verdade, muitos sequer sabem expressar além daquilo que está
escrito, tanto na ficção como na realidade. Já outros, como aconteceu com José
Wilker, se tornam em verdadeiros teóricos perante a realidade social.
Por isso mesmo é que Wilker às vezes
representava e outras vezes ensinava como representar. E fazia isso através do
conhecimento, do engajamento, da contestação e do inconformismo. Isto talvez
tivesse sido fruto de sua formação teatral no Movimento de Cultura Popular
(MCP), do Partido Comunista. Sua visão crítica de mundo e da realidade é mais
que perceptível nas suas entrevistas, nos seus escritos, documentários e enquanto
entrevistador.
De qualquer sorte, só resta lamentar sua
morte. E também temer que a teledramaturgia brasileira não consiga renovar seu
elenco de mentes pensantes, críticas, inteligentes, que façam do ato da
representação algo além de ser apenas um personagem. Bastava Wilker aparecer em
cena para que tudo ao redor se tornasse coadjuvante, apenas um cenário para os
seus movimentos e palavras tão fortes como a própria vida.
Pelo feito e merecimento, certamente que será
sempre recordado. Quem haverá de esquecer a alma safada de Vadinho surgindo na
cozinha ou no lado da cama para passar a mão na bunda de Dona Flor? Quem poderá
esquecer as estripulias do bicheiro analfabeto e apaixonado, tudo fazendo para
agradar a senhora do seu destino? Impossível esquecer o jovem Mundinho Falcão
entre as facilidades da riqueza cacaueira e os infortúnios do coração.
Um vazio imenso sem José Wilker,
principalmente quando os créditos não citarem o seu nome. Mas o tempo ruge e o
inesperado acontece. Triste fim deste capítulo. Ainda assim hei de repetir:
você foi “felomenal!”.
Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
Um comentário:
Grande ator, vai deixar saudades.
Postar um comentário