Rangel Alves da Costa*
Não seria de percurso glorioso o destino da
serpente sobre a terra. Está escrito no Gênesis 3:4: Então o Senhor Deus disse à serpente:
Porquanto fizeste isto, maldita serás mais que toda a fera, e mais que todos os
animais do campo; sobre o teu ventre andarás, e pó comerás todos os dias da tua
vida. Eis que havia açulado o cometimento do pecado no Éden.
A partir daí a serpente passou a ter a
inglória sina na existência. E sobre a terra tornou-se símbolo da traição, da
maldade, do pecado, da mentira, da astúcia, da morte vil e pérfida. Enquanto
animal rastejante possui a insígnia da malícia e da perversidade, do ataque
ardiloso e mortal. E enquanto analogia do homem não é diferente, vez que o ser
humano, mesmo sem rastejar sobre a terra, possui as mesmas artimanhas da
víbora. E muitas vezes agindo com maior perversidade.
Os maldosos aguçam as línguas como a
serpente; o veneno das víboras está debaixo dos seus lábios. E o seu vinho é
ardente veneno de serpentes, e peçonha cruel de víboras, como dito no Deuteronômio
32:33. Assim também no cálice do homem, no seu vinho envenenado pela maldade,
mentira e falsidade. E principalmente na frieza do bote que dá, sem permitir
qualquer defesa para, muitas vezes, o amigo de instantes atrás.
Mas, sacudindo a víbora no fogo, talvez não
sofra nenhum mal, como predito em Atos 28:25. Contudo, tarefa mais que difícil
é fugir da víbora, se esquivar da cobra, cortar caminhos para não encontrar a
serpente. Como dito, ela é esquiva, traiçoeira, silenciosamente má, longamente
esperando sua vítima para o bote certeiro. Por mais que os precavidos procurem
proteger seus pés e calcanhares, por mais que muitos fujam dos caminhos
perigosos, de repente se vê fisgado pelas agulhas surgidas do nada.
Da língua bifurcada da cobra, tão
reconhecível e temida, desprende-se um sopro silencioso e letal. Não há voz
dizendo do ataque fatal ou grito que anteceda o bote. Nada disso, apenas o faro
da presa adiante. A vítima já foi avistada, já pode ser alcançada, só resta
esperar o momento apropriado, que é exatamente aquele que a presa menos espera.
Tudo acontece tão rapidamente, tão instantaneamente voraz, que nada parece
acontecido. Mas no instante seguinte e o veneno já começa a agir.
Há muita diferença com a língua também
bifurcada de muitos seres humanos? A serpente age por instinto, porque vivendo
para cumprir sua sina de ferir calcares ou o que alcançar seus dentes agulhados.
Mas o homem veio ao mundo com o destino da víbora, da serpente, da cobra mais
peçonhenta? Não, mas assim se transforma pela raiz da maldade que deixa brotar
e alimenta dentro de si. E age mais covardemente que a cobra porque transmuda
sua natureza humana num serpentário de falsidades, aleivosias e traições.
Em muitos aspectos o homem é comparável à
serpente. De sua boca sai o mesmo veneno, esconde-se e espera para atacar, não
precisa que o ferimento dê logo sinal de perigo mortal. O veneno da cobra vai
fazendo efeito aos poucos, bem assim a peçonha saída da boca humana. A pessoa
falsamente atacada nem percebe o bote, mas pelos arredores todos já sabem da
mentira espalhada como verdade.
A cobra de vez em quando muda de pele, e o
homem vive trocando de feição. Na presença é sempre a flor, pelas costas o
espinho. Igualmente à cobra que se morde toda e vai secando até morrer acaso o
calcanhar desejado não mais apareça na beira da estrada, o ser humano também
deveria se envenenar com a própria maldade caso a sua falsidade não conseguisse
produzir o efeito desejado. Mas nem precisa que seja assim. Mais cedo ou mais
tarde bebe do próprio veneno e definha feito cascavel doentio.
As serpentes continuam por aí sondando a
presença dos descuidados nos beirais das estradas, nas frestas escuras, nos
lugares menos impensados. E não é difícil imaginar quantas víboras humanas,
línguas peçonhentas e olhares corrompidos se escondem por trás das portas e
janelas, nos becos da vida e até nos encontros afáveis do dia a dia. E todos
prontos para dar o bote.
Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
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