SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



quarta-feira, 9 de abril de 2014

COISAS QUE JAMAIS DUVIDEI


Rangel Alves da Costa*


Sobre certas coisas, fatos e situações, eu jamais duvidei. E tantas vezes sem precisar ver para crer, sem necessitar ter o carimbo da realidade para a certeza. Por experiência, senso comum ou mesmo através da lógica, apenas pude confirmar o que sequer hesitava.
Até mesmo sobre coisas irreais, situações fantásticas, acontecimentos surreais, jamais deixei de acreditar. Nunca vi saci-pererê, mula-sem-cabeça, fogo-corredor, nego d’água, curupira e caipora, ainda assim sempre tive certeza da existência.
Nunca vi fantasma nem alma do outro mundo (e nem quero ver), mas sei que existe. Nunca presenciei bicho falando, porém não me atrevo a negar que conversam coisas de não se acreditar. Nunca vi a pétala da brisa e sei que carrega perfume cheirando a entardecer. Nunca vi a boca do vento, mas sei que geme, assovia, e até grita.
Ora, qualquer um pode asseverar a existência daquilo que para muitos é impensável. A cobra se enrosca todinha, se morde inteira e morre de raiva se alguém esconde sua pele escamosa. O papagaio também fica de luto e para sempre emudece diante da morte de alguém que lhe guarda afeto.
Muitos sertanejos dizem que os braços abertos do mandacaru estão permanentemente rogando as bençãos do céu para o seu sertão. E não duvido de jeito nenhum. Dizem que o cágado caiu do céu e se espatifou no chão. A mãe de Jesus teve pena e permitiu-lhe novamente viver. Daí que o seu casco mais parece pedaços rejuntados e colados. Desacredite quem quiser, menos eu.
Ainda restam alguns profetas das chuvas nos sertões esturricados. Acredite ou não, mas dizem que eles conhecem a proximidade de águas pelos sinais da própria natureza. Se ao alvorecer a barra estiver avermelhada, então logo cairá trovoada. Se o passarinho, ao invés de fazer ninho no alto da árvore, prefere um lugar perto do chão, então é sinal de chuvarada das boas. O balançar das folhagens, o voo dos pássaros, a própria voz do vento, tudo sinaliza a chegada de nuvens carregadas. E porque sou sertanejo, jamais duvidei de tais profecias.
Menina nova que só vive correndo até a janela, gosta de viver penteada e perfumada, além de que tanto faz comer ou beber, é porque está pensando em namorar. Luiz Gonzaga dizia que ela só quer, só pensa em namorar. E não duvido de jeito nenhum. Do mesmo modo, não duvido da safadeza da mulher casada que espera o marido sair e corre a se arrumar e se pintar para depois tomar rumo incerto, e sempre às escondidas.
Deus me livre duvidar do destino. Quanto mais a pessoa teima em lhe desafiar, mas a danada da sina parece puxar pela rédea. Também não duvido no arrependimento posterior de todo aquele que desafiar o conselho de pai ou de mãe. E quem sou eu pra duvidar que a benção de mãe tenha força de santidade?
Jamais duvidei da coisa mais maravilhosa do mundo que é a descoberta do amor na infância. O infante coração cheio de aflições e desejos, a escrita de versinhos apaixonados, a colheita ilícita da flor mais bela do jardim alheio, a face rubra e a boca trêmula diante daquele amor de mesma idade. Não duvidarei jamais da magia desse momento.
Não duvido que a pessoa voe no primeiro beijo. O desejo é tão grande, a vontade é tamanha, mas a insegurança também, que fecha os olhos tateando o lábio e de repente já está, levemente e sem perceber, pelos ares. E só desce pelo peso do coração. O coração bate tão pesadamente que parece querer sair do peito. Mas ainda assim a pessoa quase não se sustenta em pé. Quem dúvida?
Jamais duvidei na continuidade da vida após a morte. Existem seres humanos grandiosos, singelos, importantes demais, para que possuam apenas uma vida. E por isso mesmo renascem e permanecem vivas nos corações de quem as ama. Disso não posso duvidar.
Aliás, não duvido de nada. A não ser da honestidade de políticos e governantes e de que o povo brasileiro um dia vai ter coragem de dizer não.


Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com

Um comentário:

Ana Bailune disse...

Bom dia, Rangel. Tua crônica me comoveu, e me fez refletir, pois também acredito em tudo, até que me provem o contrário (e até hoje, ninguém conseguiu provar-me nada). É incrível quando a gente lê algo que vem tentando expressar e não consegue, e então alguém o faz de forma tão clara e precisa... adorei!