Rangel Alves da Costa*
Conheço alguém que pede licença onde estiver
para ir chorar no banheiro. Fala mesmo, sem qualquer vergonha ou receio,
simplesmente diz que vai chorar no banheiro e sai. Quando retorna traz na face
os olhos ainda avermelhados, resquícios das lágrimas derramadas e prova maior
que não estava brincando ou arranjando desculpa para se ausentar.
Certa feita - e eu presenciei -, esta pessoa
estava toda eufórica e sorridente numa reunião, mas num instante, fato
repentino mesmo, e levantou a mão para dizer que precisava ir chorar no
banheiro. A maioria do grupo, principalmente quem não conhecia essa propensão
choradeira, achou esquisito aquele anúncio e até começou a zombar. Preferi não
dizer nada, mas me deu vontade de levantar a voz e dizer que ninguém tinha o
direito de achar qualquer coisa sobre a vontade de chorar de outra pessoa. Mas
preferi continuar calado.
Continuei calado porque sei o quanto é
difícil argumentar acerca de fatos assim. Sei que muitas pessoas possuem
comportamentos estranhos, esquisitos, até mesmo bizarros. Sei que muitos
possuem condutas as mais extravagantes, anormais e que desafiam o entendimento
e compreensão do outro. E não serei eu que, por exemplo, dirá qualquer coisa
acerca de quem conversa sozinho, vive sonhando na janela ou corre para o
banheiro quando quer chorar.
O problema é saber o que ela faz quando não
há banheiro por perto. Não sei se verdade ou não, mas já ouvi que sai correndo
por quarteirões atrás de um sanitário de bar, de rodoviária, de qualquer
birosca. Certa feita não conseguiu encontrar nada parecido ao redor e
simplesmente bateu à porta de uma residência. Quando foi atendida e relatou sua
situação, saiu escorraçada e chamada de louca. E chorando de se acabar, mas não
aquele choro guardado para ser chorado no banheiro.
Conheço muitos motivos para lágrimas, soluços,
prantos derramados e verdadeiras enxurradas. A mocinha chora saudosa na janela,
a outra mocinha se molha toda no lenço de adeus. Mortes, saudades, tristezas,
desesperanças e angústias acabam provocando todos os tipos de lágrimas. Mas
estas são, digamos assim, plenamente justificadas e muito diferentes de outros
tipos de lágrimas que são derramadas por aí.
Realmente ainda não sei se o choro da chorona
do banheiro pode ser visto como justificável ou não. Ela nunca falou sobre
isso, se apressando somente a dizer que vai chorar no banheiro e depois sai
correndo. Talvez a ciência pudesse explicar se há um termômetro lacrimejante,
se há algum mecanismo orgânico que faz disparar o choro num dado e exato
momento. Não creio que a saudade marque hora para chegar ou que o fato que
motiva a lágrima não possa ser adiado.
Realmente nada sei sobre o relógio biológico
que se ativa na mocinha que a predispõe a deixar tudo que esteja fazendo para
ir chorar no banheiro. Também não sei se o mesmo desespero ocorreria se por um
motivo ou outro ela ficasse impossibilitada de ir atrás de um toalete. Mas sei
que tanto faz ser banheiro luxuoso ou de espelunca, que seja espelhado ou quase
não tenha paredes. Parece-me que o que realmente importa é ser apenas banheiro,
ou mesmo coisa tida como tal.
Ninguém jamais me relatou qualquer coisa
sobre o comportamento dela assim que entra em correria. Por isso mesmo não sei
se vai logo se derramando em lágrimas ou se tem algum procedimento especial,
algo como um rito lacrimejante, que anteceda a correnteza que daí escorre.
Imagino apenas que retira alguma coisa da bolsa, mira e depois começa a chorar.
Talvez uma carta, uma fotografia, um espelho, qualquer coisa que desperte uma
visão, saudade ou recordação.
Também sei que é muito triste viver assim.
Também choro muito, me derramo e me dissolvo de vez em quando, mas sempre por
fortes motivações. E a maior delas é indubitavelmente o vazio íntimo, a
angústia interna, que não quer compartilhar com nada sua solidão. E expulsa as
lágrimas. Talvez também seja esse o motivo maior do choro naquela jovem.
Mas precisamos não mais chorar por isso,
necessitamos não mais chorar assim. A ela, bem baixinho, direi que pode avistar
um toalete no meu ombro. E chorar todas as lágrimas que quiser.
Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
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