SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



sábado, 19 de abril de 2014

CHORANDO NO BANHEIRO


Rangel Alves da Costa*


Conheço alguém que pede licença onde estiver para ir chorar no banheiro. Fala mesmo, sem qualquer vergonha ou receio, simplesmente diz que vai chorar no banheiro e sai. Quando retorna traz na face os olhos ainda avermelhados, resquícios das lágrimas derramadas e prova maior que não estava brincando ou arranjando desculpa para se ausentar.
Certa feita - e eu presenciei -, esta pessoa estava toda eufórica e sorridente numa reunião, mas num instante, fato repentino mesmo, e levantou a mão para dizer que precisava ir chorar no banheiro. A maioria do grupo, principalmente quem não conhecia essa propensão choradeira, achou esquisito aquele anúncio e até começou a zombar. Preferi não dizer nada, mas me deu vontade de levantar a voz e dizer que ninguém tinha o direito de achar qualquer coisa sobre a vontade de chorar de outra pessoa. Mas preferi continuar calado.
Continuei calado porque sei o quanto é difícil argumentar acerca de fatos assim. Sei que muitas pessoas possuem comportamentos estranhos, esquisitos, até mesmo bizarros. Sei que muitos possuem condutas as mais extravagantes, anormais e que desafiam o entendimento e compreensão do outro. E não serei eu que, por exemplo, dirá qualquer coisa acerca de quem conversa sozinho, vive sonhando na janela ou corre para o banheiro quando quer chorar.
O problema é saber o que ela faz quando não há banheiro por perto. Não sei se verdade ou não, mas já ouvi que sai correndo por quarteirões atrás de um sanitário de bar, de rodoviária, de qualquer birosca. Certa feita não conseguiu encontrar nada parecido ao redor e simplesmente bateu à porta de uma residência. Quando foi atendida e relatou sua situação, saiu escorraçada e chamada de louca. E chorando de se acabar, mas não aquele choro guardado para ser chorado no banheiro.
Conheço muitos motivos para lágrimas, soluços, prantos derramados e verdadeiras enxurradas. A mocinha chora saudosa na janela, a outra mocinha se molha toda no lenço de adeus. Mortes, saudades, tristezas, desesperanças e angústias acabam provocando todos os tipos de lágrimas. Mas estas são, digamos assim, plenamente justificadas e muito diferentes de outros tipos de lágrimas que são derramadas por aí.
Realmente ainda não sei se o choro da chorona do banheiro pode ser visto como justificável ou não. Ela nunca falou sobre isso, se apressando somente a dizer que vai chorar no banheiro e depois sai correndo. Talvez a ciência pudesse explicar se há um termômetro lacrimejante, se há algum mecanismo orgânico que faz disparar o choro num dado e exato momento. Não creio que a saudade marque hora para chegar ou que o fato que motiva a lágrima não possa ser adiado.
Realmente nada sei sobre o relógio biológico que se ativa na mocinha que a predispõe a deixar tudo que esteja fazendo para ir chorar no banheiro. Também não sei se o mesmo desespero ocorreria se por um motivo ou outro ela ficasse impossibilitada de ir atrás de um toalete. Mas sei que tanto faz ser banheiro luxuoso ou de espelunca, que seja espelhado ou quase não tenha paredes. Parece-me que o que realmente importa é ser apenas banheiro, ou mesmo coisa tida como tal.
Ninguém jamais me relatou qualquer coisa sobre o comportamento dela assim que entra em correria. Por isso mesmo não sei se vai logo se derramando em lágrimas ou se tem algum procedimento especial, algo como um rito lacrimejante, que anteceda a correnteza que daí escorre. Imagino apenas que retira alguma coisa da bolsa, mira e depois começa a chorar. Talvez uma carta, uma fotografia, um espelho, qualquer coisa que desperte uma visão, saudade ou recordação.
Também sei que é muito triste viver assim. Também choro muito, me derramo e me dissolvo de vez em quando, mas sempre por fortes motivações. E a maior delas é indubitavelmente o vazio íntimo, a angústia interna, que não quer compartilhar com nada sua solidão. E expulsa as lágrimas. Talvez também seja esse o motivo maior do choro naquela jovem.
Mas precisamos não mais chorar por isso, necessitamos não mais chorar assim. A ela, bem baixinho, direi que pode avistar um toalete no meu ombro. E chorar todas as lágrimas que quiser.


Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com

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