SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



sábado, 5 de abril de 2014

AS VIZINHAS NA CALÇADA


Rangel Alves da Costa*


Acabei de avistar as vizinhas na calçada. Aqui mesmo no trecho da rua onde moro, um pouco mais adiante de minha casa, basta a noite chegar e logo uma parte da calçada é tomada por cadeiras para as mesmas pessoas da vizinhança, todas mulheres e sempre com proseados na ponta da língua, pois ali permanecem por muito tempo.
Um bom momento para saírem do verdadeiro forno que estão as residências nesta época. Ninguém suporta o calor durante o dia, e na noite não é muito diferente. Após o anoitecer ainda é possível sentir uma aragem vinda da boca da barra, mas ainda assim prevalecendo a quentura de fazer suar. E dizem que o calor redobra em mulheres acima dos quarenta.
Na verdade, são três irmãs que sentam do lado de fora para receber as amigas, e assim vai chegando uma, depois outra, mais outra e assim por diante. Quando passo sempre brinco dizendo que a tempestade já está se formando na barra e não vai demorar muito pra mandar todo mundo de volta às suas casas. Prossigo no meu passo e elas prosseguem nos seus proseados.
Não é difícil saber o que tanto conversam. As irmãs não possuem fama de fofoqueiras nem vivem sendo chamadas de olheiras da vida alheia, por isso mesmo creio que não permitem nem estimulam na sua porta o dissecamento injurioso da vida dos outros. Pressuponho, assim, que fartamente proseiam sobre assuntos femininos, sobre situações cotidianas e uma gama de capítulos que somente as mulheres sabem buscar nos baús.
Certamente que um assunto puxa o outro e de repente já estão indo além das meras observações rotineiras. E logicamente sempre fazendo considerações acerca de quem passa, como passa, que roupa veste, com quem vai acompanhado, além de um ouvi dizer que acaba entrando na esfera da pessoalidade e da boataria. Na verdade, só mesmo Deus na sua onipresença para saber o que de oleoso e aquoso por ali se derrama.
Mas acho bonito e nostálgico encontrá-las ao anoitecer naquele local. Os centros urbanos, principalmente as capitais, aos poucos vão perdendo o senso de vizinhança, de amizade, de encontros como o que acontece com aquelas amigas. A grande maioria das pessoas vive de portas fechadas e quando a noite cai não aparece sequer na janela. Talvez o medo da violência ao redor e por todo lugar seja o fator principal para o recolhimento nas horas mais escurecidas.
Infelizmente não são apenas os grandes centros urbanos que deixaram de apresentar paisagens noturnas com pessoas nas calçadas, senhoras recordando os idos nas suas cadeiras de balanço, caminhantes pelas ruas na apreciação da luz do luar. Houve um tempo em que a noite era propícia aos passeios no clima ameno. Mas as mudanças não ocorrem apenas nas ditas cidades grandes, pois as regiões interioranas também passaram a ressentir dessa transformação nos relacionamentos, do distanciamento de vizinhos e do forçado enclausuramento.
Mas não só a violência para afastar as famílias de suas calçadas. Os jovens sempre preferem buscar ambientes de diversão a estar conversando com seus familiares ou pessoas mais velhas; homens e mulheres aproveitam a noite para se prostrar em vigília defronte às televisões; e são poucos os que ainda colocam uma cadeira do lado de fora ou saem em rápidas caminhadas. Daí que não só as calçadas perdem as noturnas reuniões, como as ruas e praças se veem praticamente desertas.
Recordo de um tempo sertanejo aonde mulheres chegavam às calçadas com cestos de feijão para debulhar, com espigas de milho para tirar a palha, com almofadas de bilros para tecer suas rendas. Ou simplesmente para sentar nas cadeiras de balanço e esperar a chegada da aragem boa e com cheiro de lua. E de repente o sono chegando e, ali mesmo na calçada, os sonhos bons com tempos que não voltam mais.


Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com 

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