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quarta-feira, 2 de abril de 2014

SOBRE LOBOS E HOMENS


Rangel Alves da Costa*


Recordei-me agora de aspectos comparativos entre lobos e homens que li ou ouvi em algum lugar. Dizia da estreita relação no jeito de ser e viver de humanos e os canídeos uivantes. Apontava a proximidade instintiva entre uns e outros, confirmando da selvageria que os une diante das presas mais inocentes.
Mas as interrelações vão além. Eis que os lobos, igualmente aos homens, são animais territoriais, lutam para proteger seus espaços; preservam fortemente os laços familiares, vez que geralmente acompanhados dos seus; são solitários e sentimentais, pois os uivos nas estepes são também expressões de entristecimento; são carnívoros; atacam com violência; mas fogem quando acossados.
E também já li alguma coisa dizendo que os lobos, quando resolvem atacar, são os animais mais perigosos e devastadores que possam existir, pois deixam somente as carcaças depois das investidas. São também furtivos, traiçoeiros, sempre espreitando a fragilidade da presa antes de proferir o ataque. Quando menos se espera, e os lobos já estão com seus dentes afiados na pele.
Cada um na sua selva, mas não há como deixar de reconhecer que lobos e homens possuem muita aproximação nos jeitos de ser, de agir e de mostrar sentimentos. Quase tudo igual, mas com motivações diferentes. E não é a racionalidade que diferencia tais motivos, vez que os canídeos, por serem irracionais, bem poderiam agir mais impensada e vorazmente que os humanos. Mas não é assim que ocorre.
Inversamente aos humanos, que são maldosos, traiçoeiros, pensam e repensam nas crueldades a praticar, os lobos agem justificadamente. Ainda que ataquem com traição, covardemente, sem deixar qualquer chance de defesa, fazem assim porque necessitam sobreviver em meio a outros ainda mais ferozes. Então fazem uso de estratégias e armas verdadeiramente humanas para abater o animal que servirá de alimento próprio e aos seus.
Pelo que eu saiba, não há um só humano que aja premeditadamente sob justificação. Ou a ação é imediata como legítima defesa ou planejada cautelosamente para alcançar todos os objetivos pretendidos com a violência. Não surge das estepes ou dos escondidos da mata porque precisa agir para obter meios de sobrevivência. Surge repentinamente sim, saem dos escondidos, porém para atacar maldosa e covardemente quem não deveria lhe servir de presa.
Os lobos são assassinos vorazes, avançam e destroçam com violência desmedida, mas a justificação do ataque logo se percebe. Não matam por matar, não sangram e dilaceram o outro para depois simplesmente deixar o corpo estendido. Ali mesmo se alimentam, ali mesmo removem as entranhas até se fartarem. E quase sempre recuam levando pedaços para a próxima refeição.
E os lobos não retornarão, não farão novos ataques a não ser para se proteger ou revidar, ou porque novamente precisam de alimentos. Seus outros instantes servem para o convívio familiar, para cavar suas tocas, para observar as forças do meio em que vivem, pois sabem que em determinadas épocas devem migrar para outros locais. Mas ao anoitecer, como por encanto, cada lobo procura sua janela em cima do monte para os uivos sentimentais.
Neste momento, os canídeos aparentam novamente aos humanos. O homem, por mais bestial que seja o seu instinto, por maior dureza que pareça ter no coração, ainda assim não consegue fugir dos sentimentalismos, das melancolias íntimas, das aflições corroendo a mente entremeada de passado e presente. Alguns não conseguem esconder seus sentimentalismos e angústias, porém outros escolhem a forma mais dolorosa de sofrimento, que é internalizar a dor.
Deveriam agir como os lobos e subir aos montes após a chegada do anoitecer, ao descer da lua, na noite fechada. E lá do alto uivar o mais alto que pudessem; ecoar sua saudade ou sua tristeza da forma mais pujante que conseguissem. Não ter medo nem vergonha de expressar o que sentem, de demonstrar suas angústias. Talvez assim a consciência pelas atitudes na vida servisse como remorso e reflexão. E daí a humanização do homem pelo sentimento.
Verdade é que depois dos lamentos tristes os lobos descem confortados e prontos para os desafios. E quem sabe o homem não se ouviria, ele mesmo, nesse seu grito. Quem sabe se ao reconhecer-se como lobo uivante não estaria também reconhecendo que dentro de si há uma feição sentimental que ainda não se animalizou totalmente. E deseja ser cada vez mais humanizada.
E assim aprendesse a sofrer apenas por coisas que possam ser resolvidas pelo coração. Não pela soma dos erros cometidos, mas pelos vazios que precisam ser preenchidos com coisas boas.


Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com   

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