Rangel Alves da Costa*
Ainda hoje se tem como verdadeira a história
do candidato que não teve um só voto naquele pleito. Não que houvesse desistido
ou tivesse impugnada sua candidatura, mas por falta de votante mesmo. O próprio
se esqueceu de ir até as urnas e a sua esposa preferiu mais uma vez traí-lo e
sufragar o amante. Mas não quis aceitar de jeito nenhum o resultado das urnas.
Não pelo seu esquecimento, mas pela certeza que ao menos o voto da mulher tinha
de ter aparecido.
Fui roubado, esbravejou em casa. E disse à
mulher que nem o voto dela havia sido contado. Tomado de cólera, olhou com
olhos afogueados para a esposa e perguntou: Mas você votou em mim, não votou?
Sem jeito, um tanto desconfiada, mas tudo fazendo para não deixar transparecer
a traição eleitoral, ela repetiu que sim. Mas como o voto não apareceu? Indagou
novamente o traído derrotado.
Assim que ele virou as costas para sair,
dizendo que iria revirar as urnas e até o mundo até encontrar o voto, ela tirou
de perto dos peitos o santinho do amante vitorioso e começou a beijar contente.
Mas eis que o marido retorna da porta para confirmar o voto e flagra aquela
inexplicável euforia. Por que essa alegria toda mulher, e com esse retrato na
mão? Mas ela se saiu com essa: Não tá vendo esse aqui, ganhou por um voto mas
não vai levar. Pode ter certeza que eles contaram o voto que era seu como se
fosse dele. Pode ir lá marido, pode ir lá atrás do seu voto.
Contam que nos tempos idos, quando as
disputas eleitorais interioranas eram dominadas pela política coronelista, dois
portentosos senhores mantinham uma acirrada disputa pelo comando municipal.
Eram dois coronéis de patente outorgada pela política, com currais eleitorais e
votos de cabresto, mas com concepções bastante diferentes. O primeiro, muito
mais rico e poderoso que o outro, mantinha seu poder à custa do medo e da
submissão da classe empobrecida.
O outro, também poderoso e repulsivo, porém
mais humanizado nas suas ações, mantinha toda sua força e prestígio com base no
assistencialismo. O seu eleitorado era constantemente guarnecido com óculos de
um só grau para todos os tipos de miopias e outros distúrbios visuais,
dentaduras disformes, cestas de alimentos baratos e já cheios de gorgulhos,
pedaços de pano e uma infinidade de utensílios especialmente dedicados ao encabrestamento.
Numa disputa entre os dois, acaso fossem
considerados apenas o poder econômico e de influência política, o primeiro
certamente ganharia de sobra. O problema é que a arrogância deste e o
assistencialismo do segundo já viravam o jogo. O primeiro coronel sabia que não
havia dinheiro nem manobra política que fizesse com que a classe escravizada
deixasse de votar no seu adversário. Mas ainda assim maquinou e maquinou e
resolveu se lançar candidato. E contra seu inimigo de fogo a sangue.
Com o decorrer do pleito, sentindo que pelas
vias normais não conseguiria derrotar o coronel assistencialista, o coronel
poderoso resolveu jogar pesado. Pesado e sujo. Então tirou da manga todas as
cartas que tinha, deu ordens severas aos seus capangas, contatou com amigos
influentes, e decidiu levar adiante um plano mirabolante, somente possível
naquele abominável mundo coronelista.
Sua estratégia era a seguinte: como não tinha
o voto do povo pra ganhar a eleição, então sairia vitorioso com o voto dos
bichos. Somente o seu criatório era maior que o eleitorado de toda a região.
Então mandou que seus capangas invadissem a cidade trazendo centenas de bois,
vacas, jegues, cavalos, bodes, carneiros, e até porcos e galinhas. A população
assustada logo correu mata adentro e deixou de votar no outro candidato. E
assim as seções eleitorais foram devidamente tomadas pelos votantes do coronel.
Bastava um mugido e o coitado do mesário tinha de confirmar o voto no dono dos
bichos.
Sentindo-se ilícita e injustamente derrotado,
o coronel assistencialista recorreu a todas as instâncias judiciais, mas não
houve jeito. E o coronel dos bichos acabou aclamado legitimamente vitorioso com
o voto da ampla maioria da população. E na decisão final um magistrado da época
teceu a seguinte observação:
“Não há nenhuma mácula que desnorteie a
lisura e correção do pleito. Ora, o candidato derrotado se insurge afirmando
que animais foram colocados para votar no lugar de pessoas. Certamente que foi
assim. Permisso venia, mas esquece o
ilustre coronel que desde o início dos tempos os animais são considerados no
mesmo patamar que cidadãos. São da mesma família do homem, pois mamíferos,
possuem sentimentos iguais aos humanos e sabem escolher seus melhores amigos.
Por isso mesmo escolheram o coronel vitorioso. Que aliás é considerado por
muitos como verdadeiro bicho. E nada impede que bicho escolha outro bicho para
votar”.
E assim as coisas acontecem desde muito. Não
sei se verdade, mas não muito distante de nossa realidade.
Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
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