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quarta-feira, 23 de abril de 2014

O XEQUE-MATE NO TABULEIRO DE PIRRO


Rangel Alves da Costa*


No jogo de xadrez, o xeque-mate é dado quando o Rei, atacado por uma ou mais peças adversárias, não pode permanecer na casa em que está, não consegue movimentar-se para outra ou ser defendido por outra peça. Quer dizer, quando não há mais saída o Rei é considerado morto. Assim também o xeque-mate no jogo urbano, no tabuleiro da cidade, quando as peças se enroscam de tal forma que tudo parece não ter mais saída.
Ao projetar a nova capital sergipana, lá pelos idos de 1855, traçando o denominado “Quadrado de Pirro” (quadras geometricamente projetadas que iam da atual praça General Valadão até a avenida Barão de Maruim, e a área que vai da avenida Rio Branco até a rua Dom Bosco), o engenheiro Sebastião José Basílio Pirro certamente que estava mais preocupado em vencer as péssimas condições geográficas de então. Jamais imaginaria que o seu tabuleiro de xadrez mais tarde fosse tomado por peças tão desconcertantes.
Com efeito, o projeto de Pirro primeiro teve de vencer as dificuldades da escolha improvável de então. Uma localidade cheia de irregularidades topográficas, tomada por dunas, morros e mangues, de repente teve de ser em grande parte aterrada e planificada para dar lugar aos quarteirões de ruas que iam desembocar no Rio Sergipe. E tudo na pressa exigida para colocar no devido funcionamento a nova capital. Daí algumas indevidas intervenções no espaço geográfico que até hoje apresentam problemas.
Contudo, as imperfeições apresentadas hoje pelo tabuleiro de Pirro são minimamente geográficas e maximamente administrativas. Ainda que aqui e acolá a cidade seja alagada pelas imprevidências do antigo planejamento, ainda assim a culpa será de quem pode dispor da moderna engenharia para resolver ou minimizar os problemas surgidos. Mas parece praga: basta chover com maior volume e os mesmos lugares transbordam iguais a rios urbanos. E não só canais como bueiros de esquinas. Então o trânsito praticamente para em determinadas regiões da cidade.
Pirro pensou numa cidade de fácil locomoção, com ruas simetricamente dispostas, percursos geralmente retos, onde pessoas e meios de transportes de repente não se confrontassem num caos. E certamente ficaria atordoado se pudesse avistar o estágio atual de seu sublime e acolhedor tabuleiro. Não somente as peças do xadrez ganharam características totalmente diferentes como a sua bandeja quadrangular se expandiu de modo disforme e imprevisível. E desde muito se fala em Plano Diretor sem que tal norteamento urbanístico - com as novas exigências que a expansão da cidade tanto requer - se torne realidade.
São poucas as vias construídas para o futuro, para o crescimento da cidade e do número de veículos. Do mesmo modo, são raras as intervenções no trânsito que produzem resultados satisfatórios, que permitam maior fluidez e mobilidade. Pelo contrário, em muitos casos direcionam tanto o fluxo de veículos em determinadas vias que a solução acaba se tornando problema.
Vergonhoso exemplo acontece no trecho da Avenida Carlos Burlamaqui em direção à Praça Godofredo Diniz (ou praça da jogatina). Somente aí é mão dupla, com táxis lotação em alta velocidade cruzando em via apertada com veículos de passeio, colocando em constante risco a vida de pedestres e de moradores. E um verdadeiro caos na esquina da Rua Lagarto, com carros que chegam de três direções diferentes. Contudo, ao invés de tentar resolver o problema, os órgãos de trânsito se preocupam apenas em encaminhar guardas com seus formulários de multas.
Grande parte do centro da cidade se transformou em feiras livres a céu aberto, desorganizadas e imundas, num misto de informalidade e ilicitudes. Da Avenida Airton Teles até a Rua Geru, passando pelos arredores da Praça João XXIII e seguindo em direção aos mercados, a situação é verdadeiramente dramática para uma jovem cidade que se arvora de possuir tantas belezas e insiste em se apresentar com a ilusória roupagem de capital da qualidade de vida. A imundície, a desorganização e a criminalidade que povoam a Rodoviária Velha são exemplos maiores de uma cidade que se enfeia cada vez mais.
Não, Pirro não queria assim, mas o tabuleiro de xadrez aracajuano está tão avolumado que as peças parecem sufocadas, estagnadas, sem ter mais para onde ir. E é xeque-mate na cidade com sua imobilidade urbana, seu comércio clandestino tomando conta do centro, suas lixeiras a céu aberto, ruas estreitas com calçadas esburacadas, falta de engenharia de tráfego e seu descabido privilégio aos táxis lotação em detrimento de outros veículos e pedestres.
Mas xeque-mate principalmente nas administrações estadual e municipal que parecem totalmente omissas diante de situações que chegam a ser vergonhosas. Afinal de contas, será que vão deixar que o prédio do antigo Hotel Palace a qualquer instante caia por cima daqueles ambulantes, lojistas e transeuntes, ou vão tomar alguma providência?


Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com

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