Rangel Alves da Costa*
Na verdade, bem que eu gostaria de escrever
nas areias da praia, como fez um dia o jesuíta José de Anchieta. Mesmo que as
letras tivessem tempo contado segundo a maré, ainda assim me dava por
satisfeito em ter meus escritos guardados na biblioteca das águas.
Quando criança rabiscava no chão, lembro-me
muito bem. Molhava o dedo na boca e garatujava qualquer coisa que incluísse
letras incompreensíveis, sempre acompanhadas de um sol ou uma lua. Sol sempre
cheio, espalhando raios; e lua minguante, sem estrelas ao redor. Eu já era
triste naqueles idos.
Depois, já meninote, traquina, passei a
escrever pelos muros, mas principalmente em tronco de árvore. Primeiro riscava
um coração e então escrevia o meu nome e o da ilusão amorosa ao meio. Cada
árvore derrubada e lá se ia minha promessa amorosa. Em meio a devaneios e
suspiros apaixonados diante da linda flor, também andei rabiscando palavras no
ar. Deixei de fazer isso depois que pedi a uma menina para ler o poema escrito
lá em cima e ela respondeu que a nuvem mais parecia um urubu. Entristeci de
vez.
Gostava mesmo era de escrever versinhos em
pequeninos papéis e depois jogar bilhetinhos pelas janelas, ou deixá-los
debaixo ou dentro de cadernos escolares. Logicamente que não assinava, mas
depois perguntava se a menina havia lido. Por isso mesmo já recebi muito
bilhetinho na cara, lançados raivosamente. Mas de vez em quando um sorriso e
uma esperança.
Os escritos aumentaram muito da vida
estudantil em diante. Os cadernos de textos e lições possuíam mais escritos
descompromissados que mesmo conteúdo escolar. Mas depois resolvi ter um caderno
somente para poesias. Mais tarde outro para pequenos textos. Até que fui
apresentado a uma velha máquina de datilografia.
Na verdade, eu sempre achava interessante meu
pai lançando os dedos naquelas teclas e aquele som tão conhecido se espalhando
pela casa. Como ele - ainda que escrevesse muito e todos os dias - não possuía
rapidez na datilografia, pois quase catando as letras, foi também assim que
comecei a catar letras naquela tecnologia de então.
Entretanto, por mais que facilitasse a
escrita, eu achava um ato de frieza expressar sentimentos, contar estórias ou
histórias, inventar coisas interessantes em teclas que apenas se repetiam no
som. Um aperto e o mesmo som, a mesma busca pelas letras, tudo se repetindo. E
problema maior quando errava e tinha de esperar o corretivo secar.
Dei uma pausa na máquina e retornei à escrita
manual. Minha letra sempre fez fama pelos quadros da vida e diante daqueles que
lançavam os olhos sobre meus manuscritos. E talvez por isso mesmo resolvi que
dali em diante escreveria tudo manualmente, poemas, contos, quaisquer tipos de
textos. E o meu primeiro romance, “Ilha das Flores”, foi todo escrito assim.
Mais de duzentas páginas letra por letra, ponto a ponto, vírgula a vírgula.
Ainda guardo comigo todos aqueles escritos,
inclusive os originais daquele primeiro romance. Contudo, a máquina de escrever
retomou seu lugar na minha mesinha quando tive que escolher de diversos
cadernos os poemas que fariam parte do meu primeiro livro a ser publicado.
Assim, “Todo inverso” nasceu manuscrito, foi reescrito na máquina e depois foi
para a gráfica.
Continuo escrevendo manualmente, vez que
sempre faço anotações que somam páginas e mais páginas. E creio que todo poema
deveria nascer na dança da pena, artesanalmente, para depois ganhar forma na
máquina. Não mais a máquina de datilografia, mas o computador, ainda que muita
gente prefira continuar escrevendo nos moldes antigos.
Mas o computador é também inimigo voraz,
traiçoeiro. Eis que vez em quando se torna mais problema que solução. A velha
Remington raramente dava defeito, mas o computador parece adorar emperrar
quando a gente mais precisa. Por ter esquecido de salvar, já perdi textos
inteiros somente porque o bicho achou de dar piripaqui repentino, fechar de
vez.
Quando isso ocorre fico pensando se fosse
possível escrever na máquina de datilografia e depois postar tudo através dela
mesmo. As letras seriam mais rudes, porém o formato muito mais autêntico e o
escrito mais verdadeiro.
Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
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