Rangel Alves da Costa*
Sobre certas coisas, fatos e situações, eu
jamais duvidei. E tantas vezes sem precisar ver para crer, sem necessitar ter o
carimbo da realidade para a certeza. Por experiência, senso comum ou mesmo através
da lógica, apenas pude confirmar o que sequer hesitava.
Até mesmo sobre coisas irreais, situações
fantásticas, acontecimentos surreais, jamais deixei de acreditar. Nunca vi saci-pererê,
mula-sem-cabeça, fogo-corredor, nego d’água, curupira e caipora, ainda assim
sempre tive certeza da existência.
Nunca vi fantasma nem alma do outro mundo (e
nem quero ver), mas sei que existe. Nunca presenciei bicho falando, porém não
me atrevo a negar que conversam coisas de não se acreditar. Nunca vi a pétala
da brisa e sei que carrega perfume cheirando a entardecer. Nunca vi a boca do
vento, mas sei que geme, assovia, e até grita.
Ora, qualquer um pode asseverar a existência
daquilo que para muitos é impensável. A cobra se enrosca todinha, se morde
inteira e morre de raiva se alguém esconde sua pele escamosa. O papagaio também
fica de luto e para sempre emudece diante da morte de alguém que lhe guarda
afeto.
Muitos sertanejos dizem que os braços abertos
do mandacaru estão permanentemente rogando as bençãos do céu para o seu sertão.
E não duvido de jeito nenhum. Dizem que o cágado caiu do céu e se espatifou no
chão. A mãe de Jesus teve pena e permitiu-lhe novamente viver. Daí que o seu
casco mais parece pedaços rejuntados e colados. Desacredite quem quiser, menos
eu.
Ainda restam alguns profetas das chuvas nos
sertões esturricados. Acredite ou não, mas dizem que eles conhecem a
proximidade de águas pelos sinais da própria natureza. Se ao alvorecer a barra
estiver avermelhada, então logo cairá trovoada. Se o passarinho, ao invés de
fazer ninho no alto da árvore, prefere um lugar perto do chão, então é sinal de
chuvarada das boas. O balançar das folhagens, o voo dos pássaros, a própria voz
do vento, tudo sinaliza a chegada de nuvens carregadas. E porque sou sertanejo,
jamais duvidei de tais profecias.
Menina nova que só vive correndo até a
janela, gosta de viver penteada e perfumada, além de que tanto faz comer ou
beber, é porque está pensando em namorar. Luiz Gonzaga dizia que ela só quer,
só pensa em namorar. E não duvido de jeito nenhum. Do mesmo modo, não duvido da
safadeza da mulher casada que espera o marido sair e corre a se arrumar e se
pintar para depois tomar rumo incerto, e sempre às escondidas.
Deus me livre duvidar do destino. Quanto mais
a pessoa teima em lhe desafiar, mas a danada da sina parece puxar pela rédea. Também
não duvido no arrependimento posterior de todo aquele que desafiar o conselho
de pai ou de mãe. E quem sou eu pra duvidar que a benção de mãe tenha força de
santidade?
Jamais duvidei da coisa mais maravilhosa do
mundo que é a descoberta do amor na infância. O infante coração cheio de
aflições e desejos, a escrita de versinhos apaixonados, a colheita ilícita da
flor mais bela do jardim alheio, a face rubra e a boca trêmula diante daquele
amor de mesma idade. Não duvidarei jamais da magia desse momento.
Não duvido que a pessoa voe no primeiro
beijo. O desejo é tão grande, a vontade é tamanha, mas a insegurança também,
que fecha os olhos tateando o lábio e de repente já está, levemente e sem
perceber, pelos ares. E só desce pelo peso do coração. O coração bate tão
pesadamente que parece querer sair do peito. Mas ainda assim a pessoa quase não
se sustenta em pé. Quem dúvida?
Jamais duvidei na continuidade da vida após a
morte. Existem seres humanos grandiosos, singelos, importantes demais, para que
possuam apenas uma vida. E por isso mesmo renascem e permanecem vivas nos
corações de quem as ama. Disso não posso duvidar.
Aliás, não duvido de nada. A não ser da
honestidade de políticos e governantes e de que o povo brasileiro um dia vai
ter coragem de dizer não.
Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
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Um comentário:
Bom dia, Rangel. Tua crônica me comoveu, e me fez refletir, pois também acredito em tudo, até que me provem o contrário (e até hoje, ninguém conseguiu provar-me nada). É incrível quando a gente lê algo que vem tentando expressar e não consegue, e então alguém o faz de forma tão clara e precisa... adorei!
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