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quarta-feira, 14 de setembro de 2011

AS MOCINHAS (Crônica)

AS MOCINHAS

                                    Rangel Alves da Costa*


As mocinhas deitam esperançosas, sonham, acordam e abrem a janela para fazer da vida a extensão de tanta beleza que observam adiante, se apressam para que tudo aconteça como desejam porque esse tempo é o tempo de viver assim mesmo, nessa maravilhosa ilusão.
Mocinha flor de jasmim sonha em um dia poder voar e, passando de nuvem em nuvem, qualquer hora poder encontrar um castelo de sonhos e dele ser a rainha, nele subir a torre e de lá admirar um infinito jardim florido.
Mocinha orquídea selvagem, tão bela e tão inacessível em cima de sua montanha de encantamentos, não pensa noutra coisa que não seja em um dia se transformar em flor de jardim, a mais cheirosa e mais colorida, pra que chegue um lindo rapaz e presenteie a flor com ela mesma.
Mocinha pássaro voando, tão silenciosa e tão triste que dá vontade de segurá-la com a mão e beijar, não pensa noutra coisa a não ser que o vento da tarde passe na sua janela e traga um bilhetinho dizendo que alguém a ama muito e um dia virá debaixo da lua, na cadência de uma estrela, para viver ao seu lado eternamente.
Mocinha cacto de espinho, angustiada e teimosa demais, fica ali na sua janela mandando que tudo passe rapidamente. Nervosa, quer que tudo ande depressa, que tudo seja veloz, pois tem a certeza que quando tudo estiver mais calmo e silencioso ouvirá o som de um cavalo relinchar ao longe e num segundo o alazão de fogo trará seu príncipe anjo para lhe colocar na garupa e seguir sem rumo.
Mocinha mocinha mesmo, sem ser flor, sem ser passarinho nem nada, conhece demais a si mesma, sabe onde pisa e o quer, não sonha acordada para não deixar de enxergar a realidade de olhos bem abertos, enfrentar os desafios e não temer os problemas. Possui um desejo escondido de menina, que esconde de todo mundo, que é ter um espelho bem grande pra se mirar por inteira.
O menino do leite que todas as manhãs avistava as meninas olhando o mundo de suas janelas, naquela manhã passou pela frente de cada uma e não encontrou nem janela aberta nem menina bonita debruçada sobre ela.
Sapeca, traquina e também sonhador, o menino do leite sonhava em crescer logo pra namorar com todas elas, pois achava cada uma mais bonita do que a outra, diferenciando somente nos olhos mais ou menos tristes, nos cabelos mais curtos ou não, na cor e no mimo da pele de cada uma.
Achava que uma tinha cabelo de seda, a outra no lugar do cabelo possuía um trigal na ventania, dançando lindo com alegria; achava que uma tinha olhos da cor de mel, outra na cor da água da cachoeira que conhecia, e ainda outra da cor do orvalho sobre a folha; achava que uma era da cor de jambo, outra da cor de morango, e outra numa morenice clara parecida com o entardecer.
Como não avistou nenhuma mocinha naquela manhã, passou em cada janela e bateu. Um toque, dois e três toques, e depois prosseguia no seu destino, correndo, com tempo de olhar pra trás. Depois de todo o serviço feito, voltou pelo mesmo lugar e nada de encontrar mocinha olhando na janela.
Na manhã seguinte, voltando pelo mesmo lugar e agora mais feliz porque ao longe já avistava as mocinhas na janela, caminhava todo apaixonado e faceiro quando, ao passar diante de janela, foi surpreendido pela voz de cada mocinha chamando-o para lhe perguntar uma coisa.
Então a mocinha flor de jasmim perguntou se no dia anterior ele não tinha visto uma nuvem bem ali ao lado de sua janela; a mocinha orquídea selvagem perguntou se não havia um jardineiro ali a chamando para ela ser flor; a mocinha pássaro voando quis saber se não tinha visto por ali um bilhetinho trazido pelo vento; a mocinha cacto de espinho indagou se ele tinha visto um alazão com um príncipe encantado em cima. E o menino do leite respondeu a todas que não, que só tinha encontrado as janelas abertas.
Mas quando a mocinha que era mocinha mesmo, sem sonhos sem nada, perguntou se tinha visto alguma coisa por ali enquanto a janela estava fechada, ele respondeu que sim. Disse que viu quando a janela ficou batendo pela força do vento sem ninguém aparecer, nem de dentro nem por fora.
Então ela ficou contente e disse que a partir daquele instante sua vida seria como uma janela que se abre sozinha, sem precisar que a solidão seja tamanha que uma mão abrindo uma janela possa diminuir a dor. Deixaria a janela se abrindo sozinha e iria viver.




Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
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