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domingo, 25 de setembro de 2011

A VICÇÃO E OS LIMITES DA FICÇÃO LITERÁRIA (Artigo)

A VICÇÃO E OS LIMITES DA FICÇÃO LITERÁRIA

                                            Rangel Alves da Costa*


Quem é afeiçoado por um bom romance adentra no seu universo e acolhe de tal forma a sua história que se põe a imaginar como aquele autor conseguiu tal proeza, tamanha criatividade no desenvolvimento da história e no desenrolar das situações.
Os conceitos altamente positivos que envolvem determinados autores são criados assim, a partir da perplexidade do leitor diante de sua obra. Contudo, dependendo da escola literária a qual o autor está vinculado, muitas vezes o leitor nem imagina que a engenhosidade maior do autor não foi criar algo novo, num universo de pura criação ficcional, mas apenas transpor seus conhecimentos e suas experiências para o seu texto.
Eis que, ainda que muitos autores não queiram ou não gostem de serem chamados de memorialistas, mas tão-somente - e sob o peso da valorização acadêmica – de romancistas ou escritores ficcionistas, a verdade é que suas produções literárias se enquadram apenas no meio termo da ficção.
Quando afirmo que o que escrevem se assenta na fronteira entre a ficção e a literatura memorialista, o faço porque dificilmente o autor é autêntico naquilo que escreve, cria um universo totalmente novo, não busca exemplos já conhecidos para situar sua história. A meu ver, o rompimento verdadeiro com o conhecido ou existente, criando uma literatura sem qualquer precedente, só pode ser exemplificado nos escritores da chamada escola do realismo fantástico ou mágico.
Vejamos, então, o que seja ficção, segundo os dicionaristas e enciclopedistas: “Ficção é o termo usado para designar uma narrativa imaginária, irreal, ou referir obras (de arte) criadas a partir da imaginação. Em contraste, a não-ficção reivindica ser uma narrativa factual sobre a realidade. Obras ficcionais podem ser parcialmente baseadas em fatos reais, mas sempre contêm algum conteúdo imaginário” (Wikipédia).
A Enciclopédia Larousse define ficção como “ato ou efeito de simular, fingimento; criação do imaginário, aquilo que pertence à imaginação, ao irreal; fantasia, invenção”. Por sua vez, Ivete Walty, no livro “O que é ficção”, afirma que “Ficção seria, pois, criação da imaginação, da fantasia, sem existência real, apenas imaginária”. Pode ser vista ainda como fingimento, criação imaginosa, fantástica, pura fantasia.
Filiando-me a aspectos contidos no primeiro conceito, afirmando que obras ficcionais podem ser parcialmente baseadas em fatos reais, mas sempre contêm algum conteúdo imaginário, reafirmo que dificilmente a narrativa ficcional surge sem o autor procurar se valer do seu conhecimento sobre fatos já existentes, exemplos que já lhe foram repassados, histórias que já viveu ou presenciou.
Talvez Júlio Verne jamais tenha experimentado qualquer daquelas ações que descreve nos seus romances. Contudo, não é pouco provável que já tivesse percorrido ou visitado muitos daqueles cenários ou paisagens que tão bem descreve. Contrariamente do que ocorre na literatura de Charles Dickens, onde o pano de fundo onde se situam suas histórias é uma Londres pós-industrializada e arredores que tão bem conhecia e convivia.
Dentre nossos autores, e todos eles justamente considerados como exímios romancistas e ficcionistas, cito dois exemplos de como a ficção nasce da experiência, da vivência, da proximidade com a realidade retratada: Jorge Amado e José Lins do Rego.
A ficção cacaueira, coronelista e afro-religiosa de Jorge Amado não é fruto senão da larga convivência do autor com esses modelos dramatizados. Nascido em região cacaueira, num mundo cercado por coronéis e latifundiários, tendo ao lado sempre o jagunço e a prostituta, o que faz o escritor na sua obra nada mais é do que trazer essas memórias e costurá-las num enredo. A genialidade como faz essa costura aí é outra história.
Com José Lins do Rego ocorre a mesma coisa. As memórias do menino que passava férias no engenho, que conhecia aquele mundo, seus atores e seus dramas, foram tornados ficção pelo primeiro a partir da adição de elementos ficcionais, ou seja, dando um sentido e um desfecho diferentes àquilo que já existia na memória do autor.
O que pretendo deixar bem claro é que a ficção possui limites claros demais para que seja caracterizada como tal qualquer romance surgido da criatividade do autor. Só é ficção para o leitor, que encontra um universo totalmente novo, mas não para o autor, que na maioria das vezes faz apenas uma junção de elementos que já conhece e são recontados dentro de um contexto dramatizado.
Como já afirmado, só pode ser caracterizado como ficção, a partir dos seus limites conceituais, aquilo que surge explosivamente na mente do autor e tem o poder de causar perplexidade tanto em quem escreve – pois inusitado – como em quem lê.
A essa literatura da experiência e do já vivenciado proponho o nome de VICÇÃO. Assim, diferentemente da ficção, que se voltaria somente para o ineditismo, para a luz única que se faz, a VICÇÃO seria a literatura do já vi, já vivi.




Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com      

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