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sábado, 10 de setembro de 2011

HISTÓRIAS DO OUTRO VENTO (Crônica)

HISTÓRIAS DO OUTRO VENTO

                                Rangel Alves da Costa*


Há muito que a sabedoria popular fala em vento bom e vento ruim. Invenção ou superstição, verdade é que ainda hoje os mais velhos acreditam cegamente que é melhor ter muito cuidado com o que está fazendo no momento que chegar soprando o outro vento, o vento ruim.
Antecipadamente se poderia afirmar que vento ruim é aquele que não sopra a favor de ninguém. Nesse caso não seria precisamente efeito da corrente atmosférica, do ar correndo pelos caminhos, mas simplesmente da predisposição para afirmar que o momento é de negatividade e que nenhuma sorte boa irá soprar. Assim, por mais que o vento seja agradável e confortante, o ar parece carregado de coisas ruins.
A ciência explica que um choque térmico pode causar problemas para a pessoa que repentinamente se desloca de uma temperatura baixa para outra muito elevada. Bem assim pode ocorrer com uma pessoa que está à beira de uma fogueira ou num lugar que é um verdadeiro forno e no passo seguinte já está recebendo friagem. Tal atitude pode causar uma distorção facial, por exemplo. Aí estaria o vento ruim, que é aquele que repentinamente veio e causou o distúrbio.
Mas este aspecto científico é sempre misturado ao misticismo e superstições, e disso não há que duvidar. E como dizem que a mente é quem faz o momento, predispõe o indivíduo à condição climática que deseja estar, então é preciso saber que na maioria das vezes são as pessoas carregadas de pessimismos, de pesados sentimentos, que fazem com que o vento chegue mais arrasador ainda.
Mais uma vez, repita-se, o vento ruim jamais virá com a feição de ruim, não virá soprando de uma forma diferente ou zunindo para avisar que vem chegando com toda força. Do mesmo modo, tal vento necessariamente não virá destruindo, jogando tudo pelo ar, fazendo esvoaçar tudo que encontrar ao redor. Pelo contrário, possuirá a força e o poder destrutivo que a mente quiser.
E numa tarde linda, de encantamentos, de brisa soprando sobre as folhagens, nem todos pretendem viver esses momentos de felicidade e muitos se fecham dentro de si para esperar o vento ruim chegar. O vento é o mesmo, o ar mansa e silenciosamente é trazido pelas distâncias e se espalha nos arredores, nenhuma porta batendo violentamente, nenhum barulho de nada sendo quebrado ou partido, mas ainda assim as pessoas estão se benzendo porque temiam a chegada do vento ruim e ele chegou.
E chegou porque o pé de vento nasceu na própria pessoa. E não seria diferente, pois o horizonte é o mesmo, as passagens nas montanhas continuam as mesmas, tudo apenas sopra como sempre acontece ao entardecer. Entretanto o espírito se enche de certeza que a partir daquele ponto azul tudo que virá será com uma força destruidora inigualável, pois assim está sentindo, assim está antevendo difíceis momentos, assim já está se vendo tomada por tudo de ruim que será trazido pelo vento.
Mas tem outro lado dessa história de vento ruim que continua amedrontando muita gente por aí, principalmente nos rincões interioranos. Eis que nas beiradas das calçadas e conversas de fim de tarde se espalham os boatos de que sicrano estava remedando um aleijado e passou um vento ruim que e o fez ficar com o mesmo aleijão do outro; a menina que estava dando a língua ao mais velho nunca mais pôde tê-la de volta à boca porque o danado do vento passou na hora; o menino traquina ainda hoje vive com o dedão em riste porque estava com ele apontado pra o irmão quando o tempestuoso apareceu; enfim, que uma até hoje vive com a boca torta, outro nunca mais deixou de andar desquartejado, e ainda outro vive com cara de sagüi porque quando o coisa ruim passou ele estava fazendo careta pra mãe.
E o que dirá aquela bela mocinha, ao entardecer na sua janela, esperando que qualquer vento chegue soprando e trazendo seu amor pelo ar? Mas que vento ruim se ele não vem, que brisa maravilhosa, que aromática dança do ar se ela desponta além, e que ventania encantadora se a levanta feito redemoinho e a faz voar de mãos dadas pelas distâncias.




Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com

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