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domingo, 4 de setembro de 2011

ORATÓRIO (Crônica)

ORATÓRIO

                                     Rangel Alves da Costa*


Minhas duas avós sempre gostaram de oratórios. Acostumado em vê-las com tanta devoção e fé, fui me achegando ao gosto por aquelas verdadeiras igrejinhas e mais tarde, já conhecendo o seu significado religioso e espiritual, me achei no direito de herdar um ou outro.
Quando minha avó materna faleceu não sei que fim deram ao seu belo oratório, sempre exposto em cima de uma pilastra num canto de quarto. Sumiram também os santos, as fitas de devoção, o terço e o rosário, relíquias e relicários, expressões de uma vida profundamente religiosa. Se Dona Marieta soubesse o fim que dariam ao seu precioso objeto certamente que teria me presenteado em vida.
Mas como minha outra avó, a paterna, continua viva, de vez em quando perguntava aos parentes se aquele oratório de madeira nobre e cuidadosamente ornado ainda estava sendo preservado e seguro. Pela idade e porque nem pode mais caminhar, sei que infelizmente não consegue mais se ajoelhar diante da igrejinha e orar pelos seus, pedir a ventura da extensa família.
Sem os cuidados de Dona Emeliana, certamente que o objeto correria perigo de simplesmente desaparecer de uma hora pra outra, como aconteceu com tantos discos de vinil com repentes e coisas autenticamente nordestinas que o meu avô tanto gostava. Do mesmo modo sumiram outras relíquias, coisas simples, mas que ele guardava com tanto carinho, ainda que ninguém dissesse que por trás daquela pedra havia o sentimentalismo em pessoa.
Já tive vontade de chegar perante minha avó e até os parentes e demonstrar de uma vez por todas o meu interesse pela minúscula capela. Chegaria e diria que o móvel tão importante estaria bem protegido, guardado e conservado na minha posse, pois temia que o descaso com a preciosidade fizesse com que a madeira deteriorasse, a vidraça quebrasse, enfim, que os cupins dessem fim à madeira e até aos santos.
Mas nunca fiz isso porque bem sei o que poderia obter como resposta, não de minha avó, que certamente choraria de emoção ao saber do meu interesse, mas de outras pessoas que nem valorizam as pequenas, porém importantes coisas, e nem deixam que os outros passem a ter os cuidados necessários para conservação. Ademais, não seria difícil ouvir que a minha atitude era desrespeitosa por querer herdar um bem de uma pessoa ainda viva.
Contudo, para não ficar relembrando aos parentes que gostaria de ter comigo aquele oratório, vez que conhecendo bem como gostam de complicar as coisas mais simples e implicar com quase tudo na vida, então achei melhor resolver o problema por conta própria. Assim, recentemente encomendei, ao meu modo e segundo as medidas que desejava, a minha igrejinha particular, toda em madeira de lei, de verniz envelhecido e vidros nas laterais.
Hoje guardo pertinho de mim esse pequeno oratório que aos meus olhos e ao meu coração cheio de fé é maior que uma capela, superior a qualquer igreja, tão imensamente bela como a mais bela das catedrais. Imensa feito uma catedral, porém muito mais viva, mais significativa e importante, e simplesmente porque há um céu no meu oratório.
Há um céu no meu oratório e com tudo que de melhor possa existir no céu. Há um Deus, que é o meu Deus; os anjos passeiam por todo lugar, os santos distribuem suas graças de lá, e todo o sagrado canta louvores de agradecimentos, e as preces se espalham, as orações são ouvidas, a graça reina nesse reino do meu oratório.
Aquele magistral silêncio, pois somente eu ouço a voz daquele céu, só é interrompido quando chego diante deles, do meu oratório e do céu no meu oratório, e começo a gritar com o coração a oração que o Senhor nos ensinou:
“Pai Nosso que estais no céu, santificado seja o vosso nome, vem a nós o vosso reino, seja feita a vossa vontade assim na terra como no céu. O pão nosso de cada dia nos daí hoje, perdoai-nos as nossas ofensas, assim como nós perdoamos a quem nos tem ofendido, não nos deixei cair em tentação, mas livrai-nos do mal. Amém”.
“Nosso Pai, que estás em toda a parte: Santificado seja o teu nome, no louvor de todas as criaturas; Venha a nós o teu reino de amor e sabedoria; Seja a tua vontade, acima dos nossos desejos, Tanto na Terra, quanto nos círculos espirituais; Pão Nosso do corpo e da mente dá-nos hoje; Perdoa as nossas dívidas, ensinando-nos a perdoar nossos devedores com o esquecimento de todo o mal; Não permitas que venhamos a cair sob os golpes da tentação de nossa própria inferioridade; Livra-nos do mal que ainda resista em nós mesmos; Porque só em ti brilha a luz eterna do reino e do poder, da glória e da paz, da justiça e do amor para sempre! Assim seja!”.




Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com

   

Um comentário:

Anônimo disse...

Que crônica bonita e singela! Emocionei-me com as lembranças das avós e dos oratórios. Parabéns! Nilda