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terça-feira, 27 de setembro de 2011

O POVO DE SOLIDÃO (Crônica)

O POVO DE SOLIDÃO

                                       Rangel Alves da Costa*


Solidão é um lugar onde muita gente mora sem saber. Possui milhares, milhões de habitantes, talvez. É de beleza sem igual, com paisagens encantadoras que vão desde as montanhas dos lobos uivantes aos descampados onde os olhos não avistam mais. Aliás, os olhos nunca enxergam a beleza de Solidão. Pelo contrário.
Dizem que noutros tempos, num passado muito distante, o povo de Solidão era muito diferente dos remanescentes de agora. Era alegre, festeiro, sorridente, compartilhando os bons sentimentos entre todos e muito esperançosos por dias cada vez melhores. E não se sabe bem os motivos, mas depois de uma ventania surgida ao entardecer tudo foi mudando.
Quase tudo foi mudando, tristemente se modificando. Os jardins, as praças, as noites de lua cheia, os dias de sol ardente, as manhãs ensolaradas, os tempos de chuvas para renovar a vida, a natureza com os seus mistérios e magias, os seres míticos povoando os escondidos, os horizontes com seus sinais, os acasos do ocaso, os acasos nos belos e inusitados acontecimentos, tudo continuava assim. Mas o povo não.
O povo de Solidão foi se transformando sem sentir. Diferentemente de outros tempos, de repente as ruas foram ficando esvaziadas, as praças sem os seus visitantes habituais, as crianças desistindo de suas brincadeiras, as amigas sumindo das calçadas e dos seus encontros para a conversa amigueira, os sorrisos, as gargalhadas, os gritos festejantes, tudo isso ia desaparecendo, perdendo sua razão de ser.
As ruas foram ficando desertas, as janelas e portas fechadas, as folhagens tomando conta dos bancos das praças, a brisa e a ventania chegando e fazendo seu percurso sem encantar mais ninguém, pois não havia mais olhar, mais palavra, mais gesto, mais murmúrio, mais sussurro, mais nada. Se o silêncio falasse para ser ouvido gritaria que estava sendo abafado, sufocado, impedindo de se expressar silenciosamente, pois teimavam agora em chorar pelos cantos, às escondidas, dolorosamente com medo da vida.
Por mais estranho que pudesse parecer, mas o povo de Solidão nunca havia procurado saber por que o seu lugar de moradia possuía aquele nome. Sem qualquer interesse etimológico, histórico ou geográfico, apenas alguns insinuavam vagamente o que poderia ter motivado a colocação daquele nome diferente no seu lugar. Quem não procurava saber de nada dizia apenas que Solidão era solidão, e pronto.
Mas um dizia que solidão era um rio caudaloso que um dia secou de tanto chorar; outro argumentava que solidão era o nome de um ser estranho que morava na mata e que ao anoitecer entrava pela janela das pessoas para torná-las entristecidas; já outro assegurava que solidão era o nome de um pássaro renegado de seu bando e que todo entardecer passava por ali fazendo revoada sozinho; e ainda dizia outro que solidão era nome que simplesmente surgiu, sem nascer do nada, apenas foi sendo aceito e continuou assim até hoje.
Quem tinha razão ninguém sabe. Talvez todos ou nenhum, mas a verdade é que as pessoas estavam, nos últimos tempos, vivendo muito mais seu lugar como nunca havia acontecido. Então, era Solidão o lugar e solidão nas pessoas; era Solidão no grande nome esculpido em cima da montanha na entrada da cidade e solidão por dentro das casas, invadindo os quartos, deitando por cima das camas, recostada nas paredes, jogada pelos cantos.
E o pior é que a solidão estava também dentro das pessoas. E que tristeza nos olhares cegos, que monotonia aquele quarto escurecido, aquele ouvir sempre a chuva bater no telhado e na vidraça da janela, que dolorosa aquela sensação de angústia, de desespero, de aflição. E que vontade de encontrar, de chamar pelo nome, de dizer te amo, de abraçar, de se entregar para sempre. E porque se sentia essa impossibilidade, então quanto vazio, quanta desesperança, quanta saudade, quanto lembrar, quanta vontade de sumir.
Um dia um forasteiro chamado amanhã chegou em Solidão e tomou um susto porque não encontrou ninguém. Não sabia que o povo do lugar estava trancado nos esconderijos da alma para a sina da solidão pessoal. Então foi passando pelas ruas e gritando bem alto que o amanhã havia chegado e que trazia uma mala cheia de cartas, de esperanças e de amores.
Então viu quando abriram uma janela, depois mais uma e mais uma...




Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
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