Rangel Alves da Costa*
A colocação dos conceitos em seus devidos
lugares é uma forma eficiente de dizer que os fenômenos não existem apenas
segundo a noção predominantemente disseminada no seio social. Outras vertentes
existem que refletem ainda mais as realidades, e estas devem ser conhecidas sob
pena de restringir o conhecimento. E tal aspecto contextualiza bem a retomada
da discussão acerca do alcance e do significado do termo elite, principalmente
após as considerações feitas por Marina Silva no debate entre os candidatos à
presidência no dia 26 de agosto.
Não foram bem estas as palavras, mas na sua
concepção, longe de a elite significar apenas a nata da sociedade acobertada
pela riqueza e poder, refletindo um estrato como superior pela influência e
prestígio social, ela serve muito mais para representar camadas sociais
comprometidas com as transformações. Desse modo, a concepção de elite deve ser
buscada na representatividade do sujeito perante o meio em que atua. Por isso
mesmo não exigindo da pessoa qualquer feição burguesa ou aristocrata. Será
visto como elitizado aquele que se destaca no que faz, e não pela superioridade
perante os demais.
Com efeito, durante o referido debate a
candidata Marina Silva, ao rechaçar uma argumentação lançada por um adversário,
não só redefiniu o que seja elite como expurgou a visão restrita, e até
pejorativa, que se costumou dar ao termo. E ampliou-o num sentido tal que
qualquer indivíduo, independente de classe social ou condição financeira, pode
ser considerado como de elite. A elitização seria reflexa de sua importância no
meio em que atua e da condição transformadora na atuação.
Neste caso, a elite não caracterizaria um
grupo privilegiado de pessoas, uma classe diferenciada pelo status social,
político e econômico ou mesmo um manto envolvendo a burguesia moderna. Mas a
elite caracterizando todos aqueles que se destacam nos seus ofícios, lutas,
profissões, abnegações ou até mesmo idealismos. Assim, a madame é elite pela
camada social na qual se insere, mas de elite também é, por exemplo, o mestre
da rabeca ou do repente. Um elitismo que vem da representatividade e não do
poder.
Indagada pelo adversário como faria uma nova
política estando atrelada à burguesia econômica, vez que assessorada por pessoa
de uma família acionista de um dos
maiores bancos do país, a candidata logo rebateu afirmando ser errônea aquela noção
de elite. O elitismo de sua assessora era fruto de sua experiência como
educadora e não por seu vínculo familiar. E foi além ao afirmar que o líder
seringueiro Chico Mendes também havia sido da elite pelas ideias que
representava. Elitizado porque de fundamental importância na luta de seu povo.
A verdade é que o substantivo elite,
igualmente a tantos termos distorcidos segundo as conveniências, ao longo do
tempo vem sendo comumente utilizado para identificar superioridade social,
econômica e política, confluindo no poder. Com efeito, elite remete a eleito, a
escolhido. Há uma Teoria das Elites com diversas conclusões: a elite pode ser avistada no estrato superior
da camada social capitalista; em todas as esferas da vida há indivíduos que se
destacam e devem ser vistos como superiores; a sociedade é formada por
dirigidos e dirigentes, e estes formam as elites.
Mesmo que o termo implique em concepções diferenciadas,
basta o uso da palavra e logo se pressupõe estar se referindo a pessoas quase
de outro mundo. Alastrou-se como
sinônimo de burguesia, de poder, de influência, riqueza, status. Por
consequência, quem é da elite faz parte do que há de mais imponente numa
sociedade, se diferencia das demais pessoas pelos bens pessoais e materiais,
bem como pelos círculos restritos de convívio. Ao menos é essa a ideia
dominante. É também dessa ideia a sua construção. Imagina-se que só é da elite
o rico, o famoso, o nascido em berço de ouro, o aristocrata, aquele
costumeiramente citado nas colunas sociais ou que vive desfilando luxo e
arrogância por onde passa. Inegável a elitização, mas de uma elite que não
basta para o verdadeiro conhecimento do termo.
Os conceitos mostram a abrangência do termo,
mas costumeiramente delimitado a alguns aspectos. Tal delimitação coube à
própria sociedade. Assim porque elite é definida como o que há de melhor numa
sociedade; como designação de um grupo
dominante numa classe social; como referência ao que existe de melhor numa
comunidade, sociedade ou grupo; e ainda, mais vulgarmente, para designar
detentores de privilégios. Contudo, a reversão do significado originário para
tornar a elite segundo condicionantes econômicas ou sociais, surgiu
precisamente para delimitar esferas de poder e de influência.
De qualquer modo, a visão considerada por
Marina Silva se aproxima daquela denominada pelo sociólogo americano C. Wright
Mills de elite humanista. Neste sentido, afirma este que o humanista concebe a
elite não como um nível ou categoria social, mas como um grupo disperso de
pessoas que procuram transcender-se, e portanto são mais nobres, mais
eficientes, feitas de melhor estofo. Não importa que sejam ricas ou pobres, que
tenham altas posições ou não, que sejam aclamadas ou desprezadas — são a elite
por serem como são.
Esta a concepção de elite abraçada pela
candidata. E ao citar Chico Mendes como da elite, o fez precisamente para
confirmá-lo como pessoa que representou com nobreza sua classe. Esteve no topo
maior da luta, manteve-se com altivez diante dos poderosos. Portanto, na elite
dos povos da floresta e perante a nação.
Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
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