Rangel Alves da Costa*
A tela de fundo do meu computador sempre estampa
uma pintura comovente. Cuidadosamente escolhida, vai da nostalgia aos outonos e
suas folhas secas, mas também com outros motivos. Gosto de abrir a máquina e me
deparar com paisagens, cenas e imagens que remetem ao próprio contexto da obra.
E acabo me transportando para aquela realidade, ainda que melancólica e triste.
Contudo, tenho algumas preferências. “O
filósofo”, de Rembrandt, “A menina doente”, de Edvard Munch, “Manhã de outono”,
de John Atkinson Grimshaw e algumas paisagens de Antônio Parreiras. Rembrandt
porque aquele velho filósofo no imenso e solitário salão, diante de uma janela
e numa ambientação antiga e reflexiva, envolta em cores amareladas, permite uma
viagem e faz indagar o que estaria pensando aquele sábio.
Já Atkinson e sua manhã de outono,
consistindo a pintura numa mansão antiga, parecendo abandonada e toda tomada de
folhas mortas, caídas, desde o portão e contextualizando toda obra, provoca uma
profunda reflexão sobre a solidão da vida, o abandono, a ausência. E de
profunda reflexão é a pintura de Munch. Apenas um quarto, uma cama, uma mocinha
doente deitada e sua mãe ao lado em vigília, talvez esperando o inevitável. E
basta a ideia transmitida para sentir a angústia pela presença da morte. Por
fim, Parreiras remete a uma ambientação pastoril, com paisagens que traduzem a
simplicidade da vida campestre.
Mas desde ontem que lancei o olhar numa
pintura do português José Júlio de Sousa Pinto (1856-1939) e a tornei plano de
fundo dessa minha tecnologia da escrita. Pena que não posso admirar a obra
enquanto escrevo, pois certamente teria muito mais inspiração. Trata-se de “O barco
desaparecido”, de 1890. É uma verdadeira obra-prima pela emoção entristecida
que consegue transmitir. Difícil conceber em palavras a sensação provocada
diante daquela realidade retratada em pincel.
Filiado à escola naturalista europeia, Sousa
Pinto retrata paisagens e pessoas de forma sempre terna, singela, com uma
aprofundada preocupação com a estética dos sentimentos. Daí sua obra não possuir
cores fortes, mas em tons pastel, quase outonais. Caracterizou-se pela sua
habilidade na pintura de paisagens bucólicas, mas principalmente pelos cenários
à beira-mar, onde a paisagem procura transmitir a ideia de imensidão e, ao
mesmo tempo, de um profundo vazio.
Mas talvez seja “O barco desaparecido” sua
obra mais significativa. Nesta pintura, fugindo um pouco aos ditames
naturalistas e se voltando ao impressionismo, retrata com maestria, numa
ambientação sombria, porém expressiva, toda uma sensação de desalento,
desespero, tristeza e dor. Basta uma rápida visão e já se está presente diante
da significação maior da pintura: a angústia da espera, a dor pela incerteza, a
profunda aflição na alma.
E tudo na seguinte paisagem: À beira-mar,
sentadas numa encosta de uma margem deserta, duas mulheres aflitas esperando o
retorno de um barco. São mãe e filha. A mãe com semblante atribulado pela
desesperança e pela dor sentida pela filha logo ao lado. Possui um olhar
distante, porém como a dizer que não adianta esperar nada confortante surgindo
das águas. E bem ao lado sua filha, e esta de cabeça baixa, chorando, levando
até os olhos um lenço para enxugar as lágrimas. Certamente que é a esposa,
noiva ou namorada daquele que entrou nas águas com seu barco e depois de tanto
tempo ainda não voltou. Daí a desolação, o desespero, a agonia. Ademais, o nome
da pintura tudo traduz: o barco desaparecido.
Ao longe pequenos barcos estão solitariamente
abandonados pelas areias da margem. Uma âncora com corrente partida adiante das
duas mulheres perpassa a ideia de rompimento com a vida. Ademais, os olhos da
mãe dizem tudo: não há mais o que esperar.
Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
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