Rangel Alves da Costa*
Num reino distante, muito distante, de nome
sugestivo de Reino Odrusba, apregoava-se o apogeu da democracia, das liberdades
e do respeito às leis. Foi lá que floresceu o conceito de Estado Democrático de
Direito, expressão para indicar que ali prevalecia o respeito aos direitos
humanos e às garantias fundamentais do cidadão, tudo na conformidade do
constitucionalmente previsto. Qualquer afronta às liberdades civis e logo se
invocava a Constituição vigente.
Contudo, os representantes estrangeiros não
conseguiam compreender - nem mesmo a maioria de seus habitantes - o porquê de
um reino que tanto se arvorava de fiel defensor da democracia, do respeito aos
direitos dos cidadãos e das instituições, bem como da livre expressão, deixar
que prevalecesse uma prática absurda: É permitido, mas é proibido. Noutras
palavras, tudo era permitido na conformidade da lei constitucional, mas ao
mesmo tempo era proibido acaso o permitido fosse praticado contra determinadas
pessoas e entidades. Entretanto, o que mais causava espanto e indignação era
que tudo se invertia segundo a conveniência; ou seja, o proibido podia ser
permitido segundo a pessoa.
Esse permitido, mas proibido se arraigou de
tal modo que mais parecia preceito constitucional. Nascido do costume, do
jeitinho próprio de proteger uns em detrimento de outros, também existente no
reino, acabou tendo tanta validade quanto à lei escrita, codificada. Como nem
os governos nem os poderes podem ignorar as práticas que proliferam segundo o
direito costumeiro, o Reino Odrusba se viu num dilema: Era preciso acabar de
vez com aquela prática de privilégios, mas o problema era que os principais
beneficiários eram as pessoas influentes do reino.
A solução encontrada, depois de dezenas de
reuniões às escondidas, na calada da noite, foi criar um órgão que funcionaria
como controlador da venda de azeite de dendê perante a opinião pública, mas que
na verdade seria o departamento de censura do reino. E tinha de ser assim
porque não ecoaria bem na opinião internacional que um reino garantidor da
democracia plena e das liberdades dos cidadãos e das instituições, de repente
começasse a censurar a liberdade de expressão. Mas ou se censurava ou a
informação seria ilimitada, espalhando o pleno conhecimento perante todos os
cidadãos. E isso não era bom para o reino, pois determinados assuntos eram
melindrosos demais para ter vida além da soleira.
E foi assim que surgiu o Departamento de
Controle de Venda de Azeite de Dendê, com a estranha sigla de DVD. Mas jamais
se falou em dendê no tal departamento, pois tudo que dizia respeito à censura
era encaminhada pra lá. Talvez para disfarçar, na entrada havia a imagem de um pêndulo
balançando entre um dendê e um dendezeiro. Contudo, o mais estranho é que nas
laterais eram avistados murais com textos exaltando a liberdade de manifestação
e de pensamento, e até abominando qualquer meio ou forma de censura. Lá estava
escrito, por exemplo:
“A censura prévia, a interferência ou pressão
direta ou indireta sobre qualquer expressão, opinião ou informação através de
qualquer meio de comunicação oral, escrita, artística, visual ou eletrônica,
deve ser proibida por lei. As restrições à livre circulação de idéias e
opiniões, assim como a imposição arbitrária de informação e a criação de obstáculos ao livre fluxo de
informação, violam o direito à liberdade de expressão” (Princípio 5 da
Declaração de Princípios Sobre Liberdade de Expressão da Comissão
Interamericana de Direitos Humanos).
Contudo, o mais interessante eram os
despachos proferidos pelos censores do departamento, pois tudo se resumindo a
dizer que é permitido, mas é proibido, seguindo-se de uma breve fundamentação.
Eis as pérolas elaboradas pelos agentes do Reino Odrusba, apenas algumas:
Informar sobre as pessoas é permitido, mas
proibido segundo a pessoa sobre a qual se deveria informar. Assim porque
existem pessoas que são mais pessoas que outras, e estas outras estão proibidas
de ser informadas acerca daquelas pessoas.
Divulgar fatos sobre as pessoas é permitido,
mas também proibido. Sobre determinadas pessoas, somente os fatos conhecidos
são permitidos de serem divulgados, mas proibidos se ainda não estiverem
amplamente revelados.
É permitido informar, sobre tudo e todos,
indistintamente, mas proibido se a informação repassada, ainda que verdadeira,
casualmente possa macular a honra de determinadas pessoas ou causar-lhe
prejuízos no meio em que representam. E tem-se por determinadas pessoas todas
aquelas que assim são reconhecidas por outras determinadas pessoas.
Um dia alguém perguntou a um censor porque
não se proibia ou se permitia logo tudo de uma vez. E o da censura respondeu
que tudo já era permitido, segundo as normas constitucionais e as leis vigentes
no Reino de Odrusba, mas muito era também proibido porque pessoas e instituições
existem que se arvoram do direito de serem maiores que as leis. E as leis se
submetem, se subjugam e se escravizam diante destes.
Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
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