Rangel Alves da Costa*
Um dia cansado, um dia sofrido. O sol
escaldante, suor pelo corpo, as marcas da sina. E vem o entardecer, a fornalha
se deita, o calor arrefece, sopra uma brisa encantada. Logo mais o sombreado, a
escuridão ao redor, a lua descendo e as famílias recolhidas nas suas moradias.
Uma casinha distante, erguida no barro
viscoso e no cipó invencível. A pobreza na sua face e feição, o mesmo rosto em
muitas vidas no sertão. No negrume da noite, na casinha pequenina, quase
despercebida é a moradia. Mas se a porta é aberta logo se sente a presença de
vida, logo se percebe que há luz, sombras, réstias, pessoas que andam ou se
aquietam.
Ali a vida avistada pela luz do candeeiro. O
que um dia foi alumínio, noutro dia foi lata, acabou sendo trabalhada, moldada
e soldada para se transformar num bico luz. Sim, o bojo para o gás e o pequeno
bico. Dali desce o pavio de algodão entrançado, também cuidadosamente
trabalhado, até encontrar o gás lá pelo fundo. Basta a umidade para o pavio
inflamar, e basta um fósforo riscado para o pavio flamejar e iluminar a
escuridão sertaneja.
Assim o candeeiro, a lamparina, o bico de
luz, o pavio embebido de gás que ilumina a vida desde os tempos mais antigos.
Hoje a maioria das moradias distantes, quase esquecidas nas brenhas sertanejas,
já recebe as benesses da luz elétrica, bastando um toque e a lâmpada enche a
noite de dia. Mas muitas ainda permanecem sob a luz do candeeiro. E na noite
sertaneja, de breu sem vaga-lume, a existência só é percebida quando a porta é
aberta e o amarelado se espalha daquela pequena chama.
E assim desde muito tempo. As sombras da
noite chegavam e a penumbra parecia esconder o sertão. Quando tudo começava a
escurecer de verdade é que a mão surgia com palito de fósforo aceso ou chama de
graveto para acender o candeeiro. O gás era pouco, o pavio já muito curto,
então a luz amarelada se espalhava somente quando quase não se enxergava mais
nada.
Quando a casa era pequena, de no máximo três
vãos, um só candeeiro bastava para iluminar a vida noite adentro. Geralmente
colocado num local mais elevado, de modo a expandir a luz, parecia uma pequena
lua em chamas, bailando ao sopro do vento que entrava pelas frestas da porta.
Tinha gente que dizia avistar chamas fagulhando por dentro dos matos, mas eram
os seres encantados da noite, o fogo-corredor, a mula-sem-cabeça, as visagens
de outro mundo.
Mas no casebre a luz singela, trêmula,
lançando seu olhar e sua cor sobre toda a vida ali existente. As mãos rudes
debulhando milho ou descaroçando feijão de corda, pregando um botão ou fazendo
um remendo na roupa antiga. Quando a agulha caía e os olhos cansados não
conseguiam avistá-la pelo chão, então o menino trazia o candeeiro pra mais
perto e tudo ficava mais fácil de ser resolvido.
O quarto não precisava de candeeiro. Quando
muito uma vela acesa ao pé do velho oratório, mas apenas por breves momentos,
pois ninguém podia se dar ao luxo de ter aquela chama de fé guarnecendo o
oratório a noite inteira. E quando faltava gás no candeeiro, outra coisa não
restava fazer senão deixar os santos na escuridão.
Aquela luz amarelada, suavemente ondulando,
acabava dando um aspecto entristecido aos interiores empobrecidos das
residências. Os meninos, cansados das reinações do dia inteiro, adormeciam logo
e somente os mais velhos permaneciam nos afazeres próprios da noite. Não havia muito
que conversar, por isso mesmo que a mulher ficava do lado de dentro e o homem
do lado de fora da casa.
Do lado de fora, caminhando de lado a outro
debaixo da lua ou na escuridão total, ou mesmo colocando gravetos para
alimentar a fogueira acesa para afastar a frieza ou espantar os animais
noturnos que gostavam de sorrateiramente se achegar das beiradas de barro.
Também para iluminar a estadia dos amigos quando estes apareciam para um
proseado. E também um gole de pinga.
Se não havia fogueira, somente o candeeiro
como sinal de luz debaixo da lua e na escuridão dos casebres. Mas nem sempre
permanecia aceso a noite inteira. O último que fosse deitar soprava o pavio e
deixava tudo no breu. Mas por breves momentos, pois logo a madrugada e sua
primeira luz entrando pela porta aberta. Eis que bem antes do alvorecer o
sertanejo já levanta para os afazeres do dia. E logo vai abrir a porta para
abraçar seu sertão.
Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
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