Rangel Alves da Costa*
Todo dia, ao entardecer, quando a janela se
abria, então a bela menina surgia para alegrar a paisagem. Ao menos seria para
ser assim, pois quem passava adiante logo a olhava desejando encontrar um sorriso,
mas sempre avistava o mesmo semblante entristecido na linda mocinha.
Olhos negros, tez no lustro de verniz suave,
jambo na pele, feição delicada, cabelos negros descendo em traças. Lábios
artesanais, mãos finas e delicadas, uma pulseira de cipó enfeitando o braço,
uma flor do campo enfeitando os cabelos. Tão linda a menina, mas tão tristonha.
Não sorria, não cantava, nada mudava sua
feição. Passarinho voava ao redor, borboleta pousava no umbral, colibri fazia
menção de querer beijar o seu lábio. Nada disso lhe comovia ou a tornava
contente, nada lhe trazia qualquer felicidade. Apenas ficava ali mirando
distante, imaginando coisas que somente ela poderia desvendar.
Quando não estava com olhar perdido adiante,
nas distâncias sem fim, então fazia surgir um caderno e um lápis e depois
começava a escrever. Escrevia versos curtos, ligeiros, todos também
melancólicos e amargurados, que depois tomavam uma destinação certa: eram
entregues à ventania.
Ontem sonhei beijando
e quase arranquei o meu lábio
minha boca não merece matar a sede
e eu não preciso me banhar em ilusões
então que os sonhos sejam desertos
áridos e cortantes como frias lâminas
e que o meu beijo seja sobre a terra
diante da cruz que terá o meu nome.
Assim, ou quase assim, eram os versos da
menina. Depois lia e relia, talvez reescrevesse alguma coisa, e então fazia um
breve gesto de despedida antes de soltá-los num instante de maior força na
ventania. E pelo ar seguiam as letras, os versos, os sentimentos, numa viagem
desconhecida.
Sou aquela que espera sempre
que desesperadamente sempre espera
mas não tenho abraços para a chegada
nem beijo ou sorriso como boas vindas
eis que sua visita não depende do querer
ou de desejo que venha na hora marcada
pois sei que virá antes mesmo da felicidade
e consigo levará para a terra o que guardei
e que somente na morte terá existência.
E todos os dias tais versos eram escritos e
depois entregues ao vento. Mas um dia, ao invés de soltar sua folha pelo ar,
simplesmente ela subiu no telhado e se deixou levar. Talvez pela ventania
maior, terrível vendaval na existência. E no umbral da janela restou o verso em
vida.
Pássaro, passarinho que sou
não quero mais sofrer a dor da solidão
tenho asas para encontrar o amor
e por isso agora sigo na sua direção
como verso pássaro que faz do seu voo
viagem de morte maior que a ilusão.
E nunca mais a menina ao entardecer. Apenas o
vento trazendo os seus versos e os deixando como flores tristes, como pétalas
mortas no umbral da janela.
Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
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