Rangel Alves da Costa*
Ainda numa concepção antiga, conservadora, de
feição machista, é bastante comum se ouvir opinião no sentido de que a postura
do homem não lhe permite fazer determinadas coisas. E não pode fazê-las porque
estaria entrando na seara feminina quando, por exemplo, lava louças ou varre a
casa. Já imaginou se um vizinho olha da janela e avista o dono da casa com
espanador à mão?
No mesmo sentido, ainda respinga a ideia da
mulher como sexo frágil e o homem como o mais inquebrantável dos seres. Assim,
os choros e os sentimentalismos são próprios das mulheres, enquanto os homens
são durões e insensíveis. Por consequência, a mulher pode chorar, mas o homem
não, devendo suportar como se nada lhe atormentasse.
São concepções verdadeiramente inaceitáveis,
principalmente considerando-se que não há superioridade entre homem e mulher,
não há propensão sentimentalista maior ou menor entre ambos, não há nada que
permita concluir existir um sexo forte e outro frágil. Todos são iguais,
dependem um do outro, vivem segundo suas aptidões físicas, psicológicas e
sociais.
A relação entre os dois sexos deveria ser
vista assim, por todos. A não ser entre povos cujas tradições e preceitos
absurdamente ainda discriminam as mulheres. Ainda existem grupos onde são
mantidas sob proibição e submissão. A sociedade brasileira não mais admite - ao
menos como regra geral - o preconceito pelo sexo nem a desigualdade entre
homens e mulheres. Contudo, permanecem deslavados resquícios de machismo nas
relações.
Muitas vezes é o próprio homem que se escuda
com relação à mulher. Impõe-se que deve ser visto como machão e a machão não é
permitido fazer aquilo que foi destinado à mulher, como se esta tivesse vindo
ao mundo para servi-lo, para submeter-se à sua ordem e mando. E é assim que
ainda acontece após muitos casamentos, quando o homem imagina que escravizou a
mulher pela aliança e porque coloca comida na mesa. Quanta ignorância!
Outras vezes, desejoso de mostrar que é macho
acima de tudo, o sujeito acaba brutalizando sua própria condição humana e
social. Perante os amigos, por exemplo, não admite de jeito nenhum que lavou um
prato, engomou uma camisa, pregou um botão. Ora, imagina que logo irão duvidar
de sua masculinidade acaso diga que preparou sua própria comida.
Comungo da ideia que a sexualidade do homem,
a sua masculinidade, não pressupõe fazer apenas aquilo supostamente próprio do
macho ou que necessariamente deva fazer o que presumivelmente só à mulher caberia.
Não precisa que seja assim. O homem pode embrutecer seus sentimentos para não
dar o braço a torcer e ainda assim continuar mais frágil que muitas mulheres. O
homem pode muito bem fazer o que se presume próprio das mulheres e nada disso
lhe diminuir sua masculinidade.
Ademais, o sentido de homem, macho e
masculino não possui validade alguma se o sujeito não se reconhece apto a
atender as necessidades básicas do seu dia a dia quando a sua suposta escrava
não está presente. Não diminui em nada a sua concepção de macheza acaso precise
cozinhar seu alimento, lavar sua roupa, dobrar os panos de sua cama, passar a
vassoura no seu quarto.
Ninguém deixa de ser homem porque resolve
fazer o almoço da família, estender a roupa no varal, lavar a louça do almoço,
ajudar a esposa ou companheira nos afazeres do lar. Ninguém deixa de ser homem
porque costura a bainha de sua calça, prega um botão que caiu, lava sua roupa,
gosta de dar aos móveis de casa uma feição de limpeza. Pelo contrário,
fortalece ainda mais sua masculinidade toda vez que não se discrimina.
Na verdade, o que deve ser doloroso ao machão
é ter de lutar com suas dúvidas íntimas, com as propensões pessoais de sua
masculinidade. E doloroso ainda mais manter uma aparência de troglodita quando
seu gatinho íntimo quer miar.
Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
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