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terça-feira, 16 de setembro de 2014

COISAS DE HOMEM


Rangel Alves da Costa*


Ainda numa concepção antiga, conservadora, de feição machista, é bastante comum se ouvir opinião no sentido de que a postura do homem não lhe permite fazer determinadas coisas. E não pode fazê-las porque estaria entrando na seara feminina quando, por exemplo, lava louças ou varre a casa. Já imaginou se um vizinho olha da janela e avista o dono da casa com espanador à mão?
No mesmo sentido, ainda respinga a ideia da mulher como sexo frágil e o homem como o mais inquebrantável dos seres. Assim, os choros e os sentimentalismos são próprios das mulheres, enquanto os homens são durões e insensíveis. Por consequência, a mulher pode chorar, mas o homem não, devendo suportar como se nada lhe atormentasse.
São concepções verdadeiramente inaceitáveis, principalmente considerando-se que não há superioridade entre homem e mulher, não há propensão sentimentalista maior ou menor entre ambos, não há nada que permita concluir existir um sexo forte e outro frágil. Todos são iguais, dependem um do outro, vivem segundo suas aptidões físicas, psicológicas e sociais.
A relação entre os dois sexos deveria ser vista assim, por todos. A não ser entre povos cujas tradições e preceitos absurdamente ainda discriminam as mulheres. Ainda existem grupos onde são mantidas sob proibição e submissão. A sociedade brasileira não mais admite - ao menos como regra geral - o preconceito pelo sexo nem a desigualdade entre homens e mulheres. Contudo, permanecem deslavados resquícios de machismo nas relações.
Muitas vezes é o próprio homem que se escuda com relação à mulher. Impõe-se que deve ser visto como machão e a machão não é permitido fazer aquilo que foi destinado à mulher, como se esta tivesse vindo ao mundo para servi-lo, para submeter-se à sua ordem e mando. E é assim que ainda acontece após muitos casamentos, quando o homem imagina que escravizou a mulher pela aliança e porque coloca comida na mesa. Quanta ignorância!
Outras vezes, desejoso de mostrar que é macho acima de tudo, o sujeito acaba brutalizando sua própria condição humana e social. Perante os amigos, por exemplo, não admite de jeito nenhum que lavou um prato, engomou uma camisa, pregou um botão. Ora, imagina que logo irão duvidar de sua masculinidade acaso diga que preparou sua própria comida.
Comungo da ideia que a sexualidade do homem, a sua masculinidade, não pressupõe fazer apenas aquilo supostamente próprio do macho ou que necessariamente deva fazer o que presumivelmente só à mulher caberia. Não precisa que seja assim. O homem pode embrutecer seus sentimentos para não dar o braço a torcer e ainda assim continuar mais frágil que muitas mulheres. O homem pode muito bem fazer o que se presume próprio das mulheres e nada disso lhe diminuir sua masculinidade.
Ademais, o sentido de homem, macho e masculino não possui validade alguma se o sujeito não se reconhece apto a atender as necessidades básicas do seu dia a dia quando a sua suposta escrava não está presente. Não diminui em nada a sua concepção de macheza acaso precise cozinhar seu alimento, lavar sua roupa, dobrar os panos de sua cama, passar a vassoura no seu quarto.
Ninguém deixa de ser homem porque resolve fazer o almoço da família, estender a roupa no varal, lavar a louça do almoço, ajudar a esposa ou companheira nos afazeres do lar. Ninguém deixa de ser homem porque costura a bainha de sua calça, prega um botão que caiu, lava sua roupa, gosta de dar aos móveis de casa uma feição de limpeza. Pelo contrário, fortalece ainda mais sua masculinidade toda vez que não se discrimina.
Na verdade, o que deve ser doloroso ao machão é ter de lutar com suas dúvidas íntimas, com as propensões pessoais de sua masculinidade. E doloroso ainda mais manter uma aparência de troglodita quando seu gatinho íntimo quer miar.


Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com

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