Rangel Alves da Costa*
Segundo os livros, mania é um hábito levado
ao extremo; é a obstinação por gestos, atitudes ou gostos estranhos. É a tal da
esquisitice em determinados comportamentos. E tudo mundo é propenso a isso, mas
ao doido é imputada a maestria nas manias e atitudes pra lá de extravagantes.
Por isso mesmo que diante de uma esquisitice praticada logo se diz que a pessoa
está com mania de doido.
O doido realmente exagera nas suas
excentricidades, extravagâncias, nos desarvoramentos. Mas a sua insanidade,
loucura ou manifestação de qualquer distúrbio logo revela sua propensão para a
tomada de atitudes tidas como exacerbadas. Logicamente que não é comum alguém
encher as mãos de pedras e ficar horas e mais horas esperando alguém passar
para arremessá-las. Mas assim acontece no conhecido doido de pedra.
Mas tem gente tida como normal que faz igual
ou pior. E assim porque não está presente o aspecto da loucura enquanto
distúrbio psiquiátrico. Naquele realmente louco tudo se justifica, ainda que
diante de uma atitude demasiadamente extremada, mas não diante de uma ação
pensada e refletida de uma pessoa em pleno gozo de suas faculdades mentais. E
não raro que em situações tais, de destempero ou maluquice, a pessoa seja
considerada também doida, mas por outros fundamentos.
E logo se diz que só pode estar completamente
doida aquela que faz da vida e do corpo um reles laboratório para todos os
tipos de experiências. E espalha-se que só pode estar com algum problema mental
aquele jovem que abandonou o estudo e a família para enveredar pelos caminhos
das drogas. E mais: só pode estar maluca aquela zinha que engravidou sem sequer
saber o nome do pai; só pode estar de juízo mole aquele que mal tem de comer e
beber e mantém um carro na sua garagem. E por aí vai.
Tais loucuras são proclamadas pelas atitudes
estranhas tomadas por pessoas tidas e havidas como normais. Contudo, outras
saem da esfera do desacerto na vida para entrar na esfera da loucura própria do
doido, ou seja, para agir como se desajuizado realmente fosse. Só pode estar
completamente sem juízo aquele que ameaça agredir o outro somente porque
pareceu lhe olhar. Só pode estar maluco de pedra aquele que joga comida
envenenada no quintal do vizinho apenas porque não gosta do latido do cachorro.
Só pode estar completamente ensandecido aquele que pagou caro por um erro
cometido e ainda assim se sente cada vez mais preparado para praticar outros
absurdos.
Sem falar na loucura social, no caos mental
das pessoas nos grandes centros, nos absurdos cotidianos que pontuam as
vivências. O doido ao volante, a loucura no trânsito; o insano armado, a louca
brutalidade; o maníaco na esquina, o enlouquecimento da vítima; o psicopata à
espreita, o absurdo e suas consequências; o alucinado tomado de álcool ou
droga, todos tidos como iguais; olhos estranhos que estão mirando ao redor, e a
loucura da violência, do medo, do terror social.
Tudo isso possibilita imaginar o quanto a
loucura do realmente doido é sadia, normal, aceitável. Joga pedra, faz careta,
corre atrás, amedronta, até age com violência, mas tudo previsível e
compreensível. Basta que seja compreendido para que seja lidado, tornado amigo,
tido como pessoa comum. Nem todo doido apresenta permanente quadro de grave
insanidade, eis que muitos vivem num pêndulo onde o juízo balança segundo
determinadas circunstâncias psicológicas, ambientais e naturais.
Que loucura mais romântica a doido apaixonado
pela lua. Que coisa estranhamente admirável o doido que conversa sozinho, que
se pergunta e responde, que sorri e canta uma canção oferecida a si mesmo. Até
mesmo aquele tido como de loucura extremada possui atitudes instigantes aos
sentimentos despertados para sua condição. Aquele semblante impassível, aquele
olhar distante, aquela mudez e que aquela inação, transmitem a sensação do que
o ser humano realmente é ao imaginar-se mentalmente sadio.
Mas apenas imaginar-se, pois também
mentalmente imperfeito. E portador de loucura disfarçada, que é o a pior de
todas.
Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
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