SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



domingo, 23 de abril de 2017

A BARRAGEM QUE NUNCA SECA


*Rangel Alves da Costa


Existem barragens, tanques e açudes, que nunca secam. Por estarem localizados em regiões chuvosas ou recebendo água de outros leitos, sempre são avistados cheios. Não há mudança climática ou estação que os faça esvaziar de formar barro no fundo. Situação muito diferente da ocorrida na região nordestina, principalmente no contexto sertanejo do polígono das secas.
Pelos sertões, o sempre costumeiro são as fontes com pouca água ou totalmente vazias, secas, na lama. Como as cheias dependem das chuvas, e estas nem sempre caem em quantidade suficiente para escorrer e juntar líquido nos açudes, tanques e barragens, a visão mais comum é da falta d’água por todo lugar. Falta d’água para o bicho, o homem, o peixe. Quando muito, apenas um restante lamacento que vai se tornando barro a cada dia de sol mais forte.
Sem que haja canalização diretamente dos rios ou dos serviços de abastecimento, é quase impossível que algum reservatório se mantenha cheio por muito tempo na região sertaneja. E causa estranheza – senão suspeita – toda vez que um tanque ou barragem seja sempre encontrado volumoso, com água garantida para os que dela dependam na sobrevivência. Então logo se diz que foi construído por cima de um minadouro ou que algum encanamento faça o trabalho das chuvas.
Contudo, desafiando toda a lógica do meio árido e geralmente seco, há uma barragem no sertão sergipano que sempre é avistada larga, grande, cheia, volumosa de canto a outro. Mesmo estando localizada na região mais seca do estado, onde as estiagens costumam durar três a quatro anos seguidos, e onde os demais reservatórios de água comumente são avistados em barro petrificado, ali a situação é espantosamente diferente. Para muitos leigos, talvez um mistério não revelado da natureza.
Localizada ao lado da povoação de Sítios Novos, no município de Poço Redondo, distante cerca de quinze quilômetros da sede municipal, a barragem é conhecida por jamais secar, mesmo nos períodos mais secos na região. Ano após ano, mesmo que tudo ao redor esteja cinzento e esturricado, que não reste mais nenhum pingo d’água nos reservatórios sertanejos, ali nunca se modifica: água em abundância, profunda, para o banho e para a coleta, para a criação de peixes e até para servir como lar de graças brancas e outros avoantes que por ali costumam ser avistados.
Em meio à sequidão sertaneja, ao barro rachado no fundo dos tanques, encontrar uma barragem que nunca seca é algo realmente espantoso. Ao indagar sobre as possíveis causas dessa permanência de águas, as explicações são as mais diversas e contrastantes possíveis, mas nenhuma que diga que aquelas águas são realmente de chuva, ou das chuvas passadas que ali acumularam em grande quantidade.
Ora, se fosse pelas chuvas passadas, logicamente que os demais reservatórios da região se manteriam do mesmo jeito, mesmo que alguns tanques e barragens possuam menor possibilidade de sustentação das águas acumuladas. Mas enquanto as outras já se tornaram de barro nos fundos, aquela barragem continuam sempre pujante, viva, cheia. Uns dizem que é por causa das águas que escorrem das residências e ali ficam depositadas. Outros dizem que ela surgiu por cima de um minadouro que nunca deixa de verter. Já outros dizem apenas ser um mistério inexplicável.
A verdade é que a barragem continua cheia mesmo no atual período de seca grande e duradoura. Quem passa pela rodovia ao lado, não raro pode avistar atém mesmo carros-pipa fazendo coleta de água. E também as garças brancas por cima das pedras grandes ao meio. E dentre os mistérios há ainda um que de vez em quando é relembrado. E este diz respeito a um monstro que é avistado emergindo das águas no breu da noite ou mesmo debaixo da lua grande. Assim como um monstro no Lago Ness sertanejo.
Como ali é residência desse monstro, então a barragem nunca pode secar. Por isso mesmo que toda noite seres encantados trazem torneiras enormes para despejar mais água. Mais e mais, de modo que nunca seque e deixe o monstro à mostra ou correndo risco de morte. As lendas, contudo, não desmitificam a verdade: a barragem continua cheia perante os olhos de todos. Tudo seco e rachado pelo sertão. Mas ela continua cheia.


Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com

Nenhum comentário: