*Rangel Alves da Costa
Santíssima é a sexta-feira santa. Ainda assim
os mistérios dos lobisomens e das assombrações, dos bichos feios que correm
após a meia-noite, dos pavorosos seres transmudados em feras de uivos
lancinantes. Santíssima é a sexta-feira santa. As velas queimam incessantemente
e as rezas e ladainhas velando o Senhor morto. Vozes plangentes de um povo
também martirizado pelas agruras e angústias da vida, mas ainda carregando
imensa fé na suprema religiosidade. Santíssima é a sexta-feira santa. As matracas
guizam, os tambores ecoam, os mascarados surgem nas esquinas escurecidas, os
penitentes retinem sons de dor e tormento. As túnicas brancas descem da cabeça
aos pés, nas mãos as tochas e os fogaréus, também nas mãos as lâminas
pontiagudas para lanhar o corpo em rituais de fé. Passam pelas ruas, viram
esquinas, somem na nua, mistérios apenas. Santíssima é a sexta-feira santa. Mas
mundana também, igualmente carnal, igualmente pecadora. Cálices de vinho,
bebidas, petiscos, ardências no corpo e na alma. Já não se faz uma sexta-feira
santa como antigamente. A santíssima foi violada pelo homem e toda fé já vai
sendo transformada em festa. Daí as gulas, as comidas com coco, os copos
cheios, as bebedeiras, tudo em nome da santíssima.
Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com
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