*Rangel Alves da Costa
Flores existem que duram muito tempo após o
nascer, já outras duram apenas alguns dias e ainda outras que vão embora pouco
tempo depois de desabrochar. Enquanto os gerânios e as begônias possuem longa
existência, a flor do mandacaru dura apenas uma noite. Neste sentido, o tempo
de existência das flores em muito assemelha à vida e sua duração. Flores e
vidas que nascem e se vão segundo as dádivas das estações.
O girassol procura o sol após o amanhecer e
dele se alimenta para continuar existindo. Já outras flores se alimentam da
noite e perdem todo o seu viço após o amanhecer. Com a flor do mandacaru é
assim. Bem que poderia ser flor de orvalho, flor de brisa, flor de sopro, flor
de ventania, mas é flor de mandacaru. A roseira continua bela nas manhãs
seguintes, e belamente vai até sua flor lentamente murchar. O mesmo com outras
flores.
Que coisa mais estranha na natureza. Durar
tanto para brotar e se formar, e depois florescer e durar apenas uma noite. Mas
assim é a vida tão efêmera da flor do mandacaru. Não há exemplo maior de
transitoriedade, de fragilidade, de existência tão curta quanto bela. Assim
também com tantas vidas humanas.
As flores do mandacaru esperam o luar
sertanejo para se abrirem. Nos noturnos sertanejos, lentamente vão irrompendo
de seu casulo esverdeado para desabrocharem em beleza sem igual. Abrolham ao
clarão da lua e recolhem suas pétalas ao primeiro sol. Já não possuem vida em
flor.
Recolhem e recurvam suas pétalas para não
mais se abrirem. Muitas flores existem que se repetem nas manhãs seguintes, que
novamente se abrem com a mesma beleza, mas não com a flor de mandacaru. É de
vingar único e por poucos instantes da vida. Pessoas também possuem ciclos
assim, de quase inexistências.
Ao nascerem, logo as pétalas se abrem em
majestade. E certamente o olho dirá que ainda assim estarão no dia seguinte e
no outro dia. No primeiro raio de sol, contudo, as pétalas já estarão
definhando e assim continuarão até novamente se recolherem, murchas, ao casulo.
E eis outro paradoxo na tão bela flor e seu ventre,
entre a flor do mandacaru e o próprio mandacaru. Qual sentimento de um ventre
que, em meio a tantos sacrifícios e dificuldades, vai lentamente gestando aquilo
que vai morrer poucas horas após nascer?
Que estranha sensação no mandacaru. De seu
ventre magro, seco, ossudo, sobre sua pele rija e espinhenta, e de repente o
nascer da mais bela flor entre todas as flores. Porém sem tempo sequer de se
alimentar de sertão e encontrar no meio a mesma força de sobrevivência.
Mas é mesmo um nascer destinado à morte. O
broto vai lentamente surgindo na magreza do mandacaru, formando um fruto
ovalado e esverdeado, até que vão sendo divididas as sépalas que recobrem as
pétalas, e então a noite chega e logo cuida de desabrochar a flor.
Já nasce bela, grande, majestosa, pois as
pétalas rapidamente despontam como encantamento. E num instante, o que era
apenas como um fruto ovalado, irrompe de seu ventre uma magia sem igual. A flor
que resplandece como lua cheia em meio à escuridão.
Um mistério a ser desvendado pela natureza.
Enquanto o mandacaru dura um século inteiro em meio ao calor escaldante, ao sol
abrasador, perante as secas mais devastadoras, de seu ventre surge a flor que
não dura sequer um segundo da vida inteira do próprio mandacaru.
E também o mistério do florescimento naquilo
que já se imagina sem vida. Ora, chega um tempo que o mandacaru está tão magro
e tão seco que ninguém imagina existir ali senão espinhos. Mas em meio as
espinhos vai brotando a vida tão belamente transformada em flor.
Na flor do mandacaru há, assim, uma
desalentadora simbologia: a efemeridade da vida. E, neste sentido, a curta
duração das coisas, a fugacidade das situações, a transitoriedade dos fatos e
das existências. Tudo nasce para morrer, numa sina, num destino.
A flor do mandacaru como uma lição do
Eclesiastes: há um tempo de tudo, tempo de nascer e tempo de morrer, tempo de
sorrir e tempo de entristecer. Assim também no tempo de muitos amores: um amor
tão amado e na manhã seguinte já simplesmente desamado.
A flor do mandacaru como espelho da própria
vida e o permanente desejo humano de se transformar em outra flor logo ao
nascer e assim permanecer estações após estações. E reabrir suas pétalas a cada
manhã, viver as belezas da existência a cada dia, até a terra novamente chamar
para o seu leito.
Não há como fugir dessa realidade. Vidas e
flores efêmeras e duradouras, vidas e flores que chegam e desaparecem ou
permanecem existindo pelos canteiros dos anos. Cada pessoa como um jardineiro
cuidando de si mesmo, regando a cada instante seu desejo de renascer pulsante a
cada manhã.
Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com
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