*Rangel Alves da Costa
Desde cedinho da Sexta-Feira Santa (e mesmo
dias antes) que passou a chover no sertão sergipano, principalmente na região
onde as estiagens já se demoram pra mais de quatro anos. Não significa dizer
que as chuvas caídas coloquem um fim na secura da terra, mas que as plantas
logo verdejarão e as paisagens trocarão a roupagem cinzenta por um esverdeado
esperançoso.
Ao menos na cidade de Poço Redondo e
arredores mais próximos, as chuvas que caem servem apenas para molhar a terra e
não para encher tanques, barragens e açudes. As chuvas sequer são constantes,
geralmente apenas chuviscos, faltando uma assiduidade que faça lembrar os
tempos de invernada. Tempos estes onde o sertanejo se vê diante da iminência da
aragem e da plantação.
Mas desde mais de quatro anos que não se fala
em invernada pelos sertões sergipanos. A seca prolongada já foi até lembrada
como uma das maiores da história. Com efeito, os campos ficaram completamente
devastados, os rebanhos sumiram na magreza, os esqueletos de animais se
avolumaram pelas malhadas e pastos esturricados. Tanques sem gota d’água,
cactos definhados, escassez e absoluta falta de comida tanto para o homem como
para o bicho.
Numa situação tal, qualquer nuvem carregada é
logo tida como esperançosa. A cada alvorecer o sertanejo se põe a olhar os
horizontes e nestes as barras avermelhadas prenunciando um tempo bom. Mas nada
de nuvem chegar. E a cada ano de sofrimento maior a desvalia de um povo
inteiro. Dificilmente se viu uma situação de penúria tal como esta que vem
sendo amargada pelo já empobrecido homem.
Verdade que passou o Dia de São José e não
choveu. Costuma-se acreditar que chovendo nesse dia haverá certeza de mais
chuvaradas mais adiante. Planta-se para a colheita no São João e para a
festança ao redor das fogueiras. E quando não chove também o esmorecimento no
homem ávido por sulcar a terra para lançar sua semente boa.
Contudo, após o Dia de São José começou a
serenar com mais frequência, a chuviscar bem mais que em meses e até anos
seguidos. De vez em quando uma chuva mais forte, porém localizada e sem afastar
do sofrimento o bicho sedento. Chuvinha pouca e sem juntar qualquer meio palmo
de água no tanque. Já ao entardecer e o barro já se formou novamente.
Nos últimos dias, entretanto, as torneiras de
riba se abriram mais. Ao invés do sol escaldante e do calorão de ferver
asfalto, as nuvens chegaram e nublaram tudo. O sertanejo que esperava chuva
forte, de correr por cima da terra, encher tanque e fazer enxurrada, teve de se
contentar com o pingar miúdo, fino, sem força de juntar água. Um alento,
apenas.
A serventia da pouca chuva de agora é somente
para molhar a terra e diminuir o calor. A água juntada vai logo embora pela
secura que forma barro no fundo do poço. No conhecimento matuto, chuva para
juntar água e plantar só serve aquela que desce em trovoada e depois permanece
caindo com mais vagar. A chuva forte serve ao tanque, ao barreiro, ao açude,
enquanto a mais fina serve para molhar a terra até sua fundura.
Mas o sertão vem aos poucos se molhando. E
terra molhada é sinal de que não demora muito e a planta retoma seu viço e sua
cor, que o pé de pau logo vai se encher de folhagem novamente, que as plantas
rasteiras e os capins logo terão vida nova. Mesmo sem água juntada, a fome do
gado será logo diminuída pelos brotos que surgirão por cima da terra renascida.
De qualquer modo, a chuva ou chuvisco que de
repente cai é sempre uma benção ao sertanejo. Não demora muito e pelas estradas
e veredas sertões adentro, onde tudo estava morto ou esturricado de sol, o que
se terá adiante será uma colcha de cores muito diferentes daqueles que o
sertanejo tem se acostumado a presenciar. Corre-se o risco de as nuvens prenhes
sumirem e tudo definhar novamente, mas no presente a esperança maior.
Um novo olhar do sertanejo perante o seu
mundo já é reconhecido de passo a passo. Muitos já não suportavam mais a dor
pelo sofrimento do seu bicho de cria. Já não havia mais a aquém correr senão às
forças do alto. E bastou que serenasse um dia e no outro os pingos já
começassem a cair com mais força que toda esperança foi renovada. E não haverá
festa maior se de repente os trovões e os relâmpagos anunciarem a chegada das
trovoadas.
Ainda não será tempo de juntar farta comida
para o bicho, mas não demora muito e o animal vai ser avistado de cabeça baixa
catando seu pão. A graça divina chegada ao sertão molhado, com a esperança de
que as torneiras de riba se abram de vez para que o homem se ajoelhe somente
perante Deus para agradecer, e não perante qualquer político para implorar um
pão, uma cuia d’água.
Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com
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