*Rangel Alves da Costa
Não sei se esta cartinha jamais será lida por
ela, pela menina que abriu a porta e saiu. Mas que bom se alguma ventania
fizesse chegar perante suas mãos e seu olhar estas sinceras e palavras.
Confesso que pouco tenho a dizer à menina que
abriu a porta e saiu. Também confesso que não sei e até agora não entendi o
porquê de ela haver agido assim, de ter aberto a porta e tomado um caminho.
Sei que a menina já ouviu muito sobre os
perigos da estrada. Desde as vovós de antigamente, muito já se disse sobre os
lobos maus, sobre os labirintos perigosos, sobre as perigosas surpresas
existentes em cada curva.
Eu mesmo já pedi e insisti perante a menina
que não cometesse a loucura de simplesmente abrir a porta e partir. Deitei sua
cabeça no meu colo, afaguei seus cabelos, e baixinho lhe disse que o
desconhecido lá fora não resolveria problema de ninguém.
E também lhe disse que nada melhor que a
palavra para se chegar ao entendimento. Se estava com problemas, se não estava
gostando de ficar, se não se sentia mais feliz ao meu lado, então que não
escondesse nada.
Mas a menina ouvia e ouvia. E eu repetia e
repetia, pedia e pedia. A sua mudez me perturbava. Uma pedra diante de mim. Por
vezes, até que dizia entender cada palavra dita. De vez em quando acenava em
aceitação. Mas depois tudo simplesmente era esquecido.
Nem nos dias anteriores nem naquele dia lhe
dei qualquer motivo para que abrisse a porta e partisse. Aliás, não recordo um
só motivo para que repentinamente abrisse a porta. Não há sol novo em nenhum
lugar, a lua é a mesma aqui e acolá. Nada adiantou.
O que mais me espanta é por não se tratar de
uma adolescente rebelde, de uma menininha emburrada, de uma jovem aventureira,
mas de alguém que ao meu lado estava com a intenção maior de construir o mundo.
Menininha minha, minha promessa de amor e de viver.
Coloquei flor nos seus cabelos, fiz cafuné
deitado na rede, convidei a passear. Talvez o frescor de lá fora nos fizesse
bem aos sentimentos. E quem sabe de mãos dadas ela reaprendesse a não querer
desapartar. Não quis. Mas disse que ia abraçar a brisa. Abriu a porta e não
voltou.
Eu sabia que assim aconteceria. Bastava
apenas o instante chegar. E eu não podia fazer absolutamente nada para impedir.
Ora, era desejo dela. E somente ela pode dar o norte que quiser à sua
liberdade. E, sem olhar pra trás, foi se distanciando, sumindo, sumindo...
Sozinho fiquei. Sozinho fiquei, mas sem
lágrima, sem mágoa, sem dor ou angústia. Absolutamente nada podia fazer ante aquela
decisão. Fiquei apenas tentar juntar os velhos farrapos de minha solidão. E
entre velharias encontrei o papel onde escrevi esse cartinha:
“Se na distância e em meio aos caminhos, a
felicidade possa encontrar, então feliz eu também estarei. Que seja seguro o
caminho, que seja fresca a água que vai beber, que seja bom o alimento que
possa encontrar. O que de ti restou em mim ainda está dentro de mim.
Falta-me café na xícara e é como eu ouvisse
sua voz me perguntando se queria um pouco mais. A cama está desarrumada, a rede
balança sozinha. Não tenho vontade de deitar. A porta continua aberta e através
dela me chega uma canção de saudade. A ventania traz uma folha morta como se
fosse um lenço de enxugar o mar.
Mas não preciso. Não estou chorando. Jamais
chorarei. O pranto se derrama apenas em tristeza, em saudade, em retratos que
não saem do meu olhar. Logo virá a noite, logo virá outro dia. Mas não sei como
a vida vai continuar.
Falta-me o café na xícara. Já não quero mais
escrever. Meu coração, como está meu coração, eu não sei. O silêncio entorpece
tudo. Talvez a lua não venha essa noite. Talvez a lua não venha nunca mais”.
Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com
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