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segunda-feira, 10 de abril de 2017

FAZ BEM SEU BELARMINO, FAZ MUITO BEM...


*Rangel Alves da Costa


Tem gente que simplesmente renega a realidade presente por justas razões pessoais. Diante do mundo desconsertado dos pés à cabeça, perante um cotidiano cada vez mais brutal, injusto e cruel, ante todas as hipocrisias humanas, acaba não acreditando mais em nada. Ou não deixando de acreditar, porém agindo sem qualquer preocupação com o novo ou com o espanto surgido a cada instante.
E também muita gente que de tanto conviver com uma realidade de injustiças, de bajulações, de perseguições, de descasos, de aberrações rotineiras, apenas prefere seguir adiante sem dar a mínima importância. Estranho que assim aconteça, vez que os acontecimentos acabam afetando a vida de grande parte da população, mas ainda assim justifica suas ausências dessa realidade pelo simples fato de já estar cansado de tanta mesmice desalentadora.
Todo dia surge uma nova notícia - ou mesmo repetindo a de ontem - dando conta de um acontecimento pior que o outro. A fome continua matando muita gente no mundo, o terrorismo ataca mais uma vez e faz jorrar sangue de dezenas de inocentes, a terra novamente tremeu em algum lugar, os governos continuam massacrando as minorias dentro de seus próprios territórios, mais um barco que naufragou com velhos e crianças em busca de refúgio em terras estrangeiras, mais uma vez a ONU aplica sanções que jamais são cumpridas, governos prometem guerra, outros guerreiam contra os próprios governados.
Tudo isso - e se repetindo sempre - faz qualquer um desacreditar que o mundo ainda possa encontrar uma solução ao menos de sobrevivência. E por isso mesmo chega um instante que ou faz de conta que nada disso acontece ou tende a enlouquecer como o próprio mundo. Viver para o que acontece lá fora acaba levando a pessoa a negligenciar ou se esquecer de sua própria realidade. E muitas vezes uma praga devasta o resto da plantação por que o pensamento estava voltado para outras pragas.
Surge então a necessidade de fechar esse livro de dor e sofrimento. É um afastamento dessa realidade cruel pela necessidade de se pensar na própria vida, na existência sobre a terra, nos afazeres do dia a dia. Não há como compartilhar o viver próprio com os absurdos que estão mais adiante e muito além. E assim porque tem gente que já endoidou de tanto ouvir notícia ruim, de tanto presenciar tragédias, de tanto se preocupar com as misérias humanas que pontuam a cada instante.
Por isso mesmo que Seu Belarmino desde muito que não está nem aí para o que ocorre lá fora de sua porteira. E coitado de Seu Belarmino se continuasse acompanhando as realidades do planalto, os lamaçais da política e dos políticos, as ladroeiras anunciadas a todo instante, as prisões em cardume de peixes grandes, as novas operações da federal e seus mandados de prisão e de busca e apreensão, as falcatruas e as mentiras, os venenos das jararacas e as maluquices de políticos desesperados. Sem falar no aumento desmedido da violência, no valor absurdo da cesta básica, na falta de segurança da população, da saúde e da educação sendo tratadas como retalhos remendados pelos governantes.
E Seu Belarmino tem razão. Faz muito bem em desacreditar de muito da vida de agora, da política e dos políticos, das promessas de candidatos, do que diz a televisão, do que ouve de boca a outra. Segundo ele, desistiu de ser besta. E por não mais querer pactuar com as mentiras e ilusões de um mundo que não se ajeita de nenhum, é que o homem renegou de vez de sequer querer ouvir falar dessas coisas. Para ele, tanto faz que entre e saia governante, que esse ou aquele seja prefeito, vereador, senador ou deputado.
Para Seu Belarmino, tanto faz chegar uma moda ou não, tanto faz que lhe venham com notícias ou não, tanto faz que lhe digam que o mundo está assim ou assado. Não acredita mais em nada dessa realidade perversa, mas somente no sentido de dar ouvidos ou crédito ao que tanto de ruim acontece. Enquanto sua vaquinha padece de fome e sede, não há como se preocupar se alguém chega para dizer que ninguém vai mais se aposentar ou que de agora em diante o governo vai secar o bolso de todo mundo para encher outros cofres. Seu Belarmino tá cansado disso tudo.
Decidiu que sua vida não mais pertence ao mundo nem a qualquer realidade que não seja a sua. Político pode ser preso ou solto que ele não tá nem aí. Sequer assiste televisão ou ouve notícia de rádio. Sua vida é sua casinha, sua malhada, sua pequena cria, seu pé de planta e sua pequena colheita. E pronto. Amanhecer e anoitecer de bem com a vida e consigo mesmo. Come na cuia, bebe na moringa, sorri e sonha deitado na velha rede. Faz bem Seu Belarmino, faz muito bem...



Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com

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