Sertão, meu sertão
Cadê meu chapéu de couro, meu alforje e meu gibão?
leve essa caneta dourada e esse papel feio e de tanta
letra
e me traga meu aió de cipó trançado e o meu embornal
e pergunte a Zefinha se vai botar baião-de-dois no fogão
cadê minha lua tão sertaneja e meu sol tão chamejante?
leve esse sapato brilhoso e esse terno vaidoso e egoísta
e me traga uma cuia de araçá e um punhado de quixaba
e pergunte a Joaninha se amanhã vai quarar rouba na cacimba
cadê meu tempo, minha vida, meu passo naquela estrada?
olho a ventania no varal e me pergunto se a vida é assim
também
as craibeiras tardam tanto a chegar que choro a finura da
catingueira
tenho tanto medo que tudo seja assim que peço meu rosário
de contas
e Bastião me vem dizendo que não há mais capim nem palma
silencio porque já ouvi de Totonho que já não há mais
nada lá fora
enquanto isso Delourdes canta uma velha canção para não
chorar
mas não há quem não chore se o gado não berra e o galo
não canta mais
sofro e choro num sertão assim castigado de braseiro
sobre a terra
mas ainda assim muito mais contente que viver fingindo
alegria distante
por isso deixo pra trás meu anel de doutor e toda essa
minha esnobês
e vou caminhar pela terra sertão de chinelo de dedo como
meu pai fazia.
Rangel Alves da Costa
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