*Rangel Alves da Costa
Parente matando parente, sobrinho matando
tio, irmão levantando arma pra irmão, famílias em pé de guerra. Então, se
indaga: Mas não são parentes, não só todos de uma só família, ainda que de
troncos diferenciados e até distantes, e por que agem assim como cobras ruins,
como inimigos ferozes, com um matando ou mandando matar o outro? Muitas
respostas, mas sempre emerge em primeiro a estranheza de por que assim
acontecer e de forma tão medonha e violenta.
Numa das respostas, tem-se que tudo está no
sangue. Os ódios, as violências, as brutalidades, a cegueiras, a voracidade,
tudo está no sangue. Sangue ruim, queimado, venenoso, que não pode sentir
faísca que incendeia. Noutra resposta, pode-se afirmar que tudo está no
temperamento brutal que está além do sangue e vai se firmando como
comportamento odioso, selvagem, impetuoso. Contudo, nenhuma resposta seria
satisfatória para o fato de a brutalidade e a violência serem praticadas entre
os próprios parentes, com um matando ou querer matar o outro.
Acaso fosse o sangue fervendo
instintivamente, de forma hereditária, a propensão à violência seria contra
qualquer um, fosse com parentesco ou não. Acaso fosse o temperamento igualmente
flamejante, de modo a formar um caráter bestial, a violência seria também
contra qualquer um. Contudo, o que se trata aqui é da propensão de parentes se
destruírem uns aos outros como numa guerra sem fim e contra inimigos que
gestaram no sangue os mesmos motivos: o ódio.
A verdade é que a consanguinidade gera um
parentesco de sangue. Parente consanguíneo, pois, diz respeito a pessoas
ligadas pelo vínculo hereditário, de sangue. Quer dizer, pelo vínculo biológico
que dá origem ao parentesco natural, gerando troncos familiares comuns e descendências,
desde as primeiras raízes.
O parentesco é, assim, a relação existente
que se forma entre pessoas não só da mesma raiz familiar como daquelas passam a
fazer parte das famílias, como os esposos e as esposas, e por aí vai.
Presume-se, neste vínculo, uma relação de amizade, de afetividade,
companheirismo, principalmente considerando-se que juntos e unidos fortalecem o
clã familiar. Mas nem sempre assim acontece.
Afirmou-se acima que é o ódio gestado entre
parentes que leva a rios de sangue a partir do próprio sangue familiar. Mas por
que tanto ódio é criado entre os parentes, de modo que vivam se engalfinhando,
tocaiando um ao outro, emboscando um ao outro, matando ou mandando derrubar
aquele de próprio sobrenome, tronco ou raiz familiar? Ou indagando de outro
modo: Por que as aversões e as animosidades se tornam tão ferrenhas entre
aqueles que deveriam permanecer sempre unidos e prontos para o enfrentamento de
possíveis inimigos externos?
As desavenças por terras são as mais
costumeiras entre os integrantes das próprias famílias. Situações como ciúmes,
heranças mal resolvidas, partilhas desacertadas, espertezas entre parentes,
tudo isso pode se tornar em fagulha e braseiro. Irmãos acusam irmãos de fazer a
cerca além do limite certo, parentes acusam parentes de transferir para o outro
lado ou dar sumiço em cabeças de gado, familiares se acusam mutuamente de
estarem praticando esbulhos, ameaças e roubalheiras. Tudo isso é como graveto
perto do fogo. Não demora muito e a bala começa a zunir, a comer no centro.
As inimizades políticas também geram brigas
que parecem intermináveis. Quando familiares se desapartam e vão formando clãs
poderosos, com núcleos como se fossem únicos e sobrepondo-se aos demais, então
o vespeiro começa a se formar. Quer dizer, dentro de uma mesma matriz familiar,
diversos núcleos de poder vão sendo gerados pelo próprio poder do latifúndio,
do dinheiro, da política. E como todos querem ser os mais respeitados, mais
importantes e poderosos, o que se tem então é uma guerra formada entre os
parentes. E quando um acaba afrontando ou confrontando o outro, então todos
começam a pegar em armas para as vinditas de sangue. Em tal contexto, muito
utilizada é a figura do matador de aluguel para agir em nome de poderoso
mandante.
Contudo, as famílias não precisam ser nem
ricas nem poderosas para viverem em permanente estado de guerra. Os ódios e as
intrigas não exigem condição social ou qualquer tipo de poder. Basta que um
parente ataque o outro e então os partidos começam a ser tomados e as trincheiras
guarnecidas de lado a lado. E não há muita escolha nessa guerra, pois cada um
parente pode pagar pelo outro. Tudo vai gerando uma violência tão cega que ao
invés de um sobrinho chegar para dar a benção a um tio, o que lhe estende é a
arma já cuspindo fogo. E quando as vinganças começam, então é de nunca parar.
Assim é que vinganças antigas ainda hoje continuam fazendo vítimas.
Assim os parentes e os parentescos de sangue.
É muito mais fácil um estranho sair com vida em meio a essa guerra do que um parente
quando marcado para morrer pelo outro. E nada antigo não, nada dos tempos das
barbáries coronelistas não. Ainda hoje continua assim. Por trás de potentes
raízes e troncos familiares há um filete de sangue que não para de escorrer.
Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com
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