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quinta-feira, 13 de abril de 2017

VELHAS E SANTAS SEMANAS SANTAS


*Rangel Alves da Costa


Nos dias atuais, a Semana Santa, que vai desde o Domingo de Ramos até o Domingo da Páscoa ou Ressurreição, perdeu totalmente o seu significado. Já não é a comemoração religiosa que celebra a paixão, a morte e a ressurreição de Jesus Cristo. Igualmente a quaresma já não é mais aquele fervoroso período de quarenta dias desde a quarta-feira de cinzas até a páscoa, tempo este dedicado às penitências e reflexões espirituais.
Quaresma para lembrar os quarenta dias que Jesus passou no deserto e todo o seu sofrimento até ser levado à cruz. Um tempo de tristeza simbolizado na cor roxa ou no luto de muitos fiéis. Um tempo de chamado aos arrependimentos, às conversões, aos reencontros com a fé e consigo mesmo. Também um tempo de jejuns, de afastamento de carnes vermelhas, de exclusão de prazeres mundanos.
Com o passar dos anos, chegar à semana é um tanto faz para a maioria das pessoas. Ou mesmo já contando os dias para os feriados, para as viagens, para outros afazeres que não os espirituais ou religiosos. Poucos ainda guardam as quartas e sextas-feiras, poucos se abstém de determinados alimentos. Quase ninguém mais jejua. O vinho santo foi transmudado em cachaça, aguardente, cerveja ou outra bebida qualquer.
Atualmente, chegar à Semana Santa é preparar-se para a compra de ovos de páscoa. É modismo que mais desperta a atenção. As missas continuam sendo celebradas, todos os mistérios do período também, mas sem a presença massiva de fiéis. Somente as mesmas beatas e as mesmas pessoas que de repente cismam de entrar numa igreja na tentativa de diminuir seus pecados. Nem mesmo os rituais se repetem mais.
O descuido ou o desuso com as práticas rituais da fé são consequências das transformações advindas no seio da sociedade. A sociedade atual, envolvida pelos modismos e negação das tradições, acaba relegando ao esquecimento até mesmo o compromisso com o fortalecimento da fé. Ora, num mundo onde o jovem sequer sabe o que seja uma celebração eucarística, uma novena ou até mesmo uma procissão, torna-se muito difícil que a ritualística da Semana Santa lhe tenha algum significado.
Mas houve um tempo que a semana santa era verdadeiramente santa. Ainda recordo de um povo e de suas histórias de Semana Santa na região sertaneja onde nasci. Nada mais é como antigamente, porém a tradição continua em muitos, principalmente com relação ao peixe, ao jejum e as sentinelas. Mesmo com o preço absurdo do pescado, muitas pessoas preferem uma sardinha enlatada a ingerir carne de gado, porco ou mesmo frango. É quase um jejum forçado pela ausência de um peixinho ao coco sobre a mesa.
Mas noutros tempos era muito diferente, e já desde a quarta-feira de cinzas. E até bem antes disso. Roupas eram escolhidas especialmente para o luto. Vestimentas de cor eram tingidas de preto para o luto nos dias sagrados. Vestidos longos, geralmente com mangas compridas, cobriam mulheres desde a quarta-feira. Muitas também usavam panos ou lenços pretos na cabeça, num luto obstinadamente fechado. Nem mesmo com os seus falecidos havia aquele rigor de enlutamento.
Também era costume não varrer a casa durante os três dias. A justificativa era de que o sofrimento do Senhor naquele período não permitia limpeza que proporcionasse qualquer feição de contentamento. A poeira e o pó eram o acúmulo dos males mundanos, da incoerência do homem sobre a terra, e cuja limpeza se daria como um renascimento do próprio Senhor para salvar o mundo.
O pai ou mãe logo emitiam severas ordens de obediência e respeito máximos aos dias sagrados. Ordenavam que os seus não ingerissem bebida alcoólica, não fumassem, não ouvissem música, não se mostrassem cheios de alegria e contentamento, não falassem palavrões nem namorassem. Não falavam em sexo, pois nome muito forte para ser pronunciado na ocasião, mas afirmavam que sequer imaginassem em corromper a carne com as ilusões mundanas.
Muitos jejuavam de modo tão severo que somente uma vez ao dia colocavam algum alimento à boca, mas sempre contendo coco. Peixe com coco, arroz de coco, feijão de coco, tudo contendo coco. Quem não jejuasse só podia comer alguma coisa que fosse feita com coco. Os espelhos eram devidamente encobertos com panos de luto para que ninguém se olhasse ou penteasse os cabelos. E quanto mais triste o semblante de cada um mais presente sua fé naqueles dias de dor e sofrimento.
No dia maior então a ritualística se redobrava. Grande parte do dia as mulheres, principalmente velhas beatas, se mantinham fechadas e ajoelhadas em seus quartos, com terços e rosários à mão, orando incessantemente. Após o anoitecer seguiam até a igreja onde permaneciam em sentinela até o amanhecer. E os cantos, as ladainhas, as rezas fúnebres, entoavam numa lamúria tão dolorosa como bela. Tudo na força de um povo, sua fé e tradição.


Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com

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