*Rangel Alves da Costa
É coisa de se imaginar – e até de não
acreditar – como grande parte dos políticos enfrentam os eleitores depois de um
vergonhoso mandato e em busca de reeleição. Tem de ter muita cara de pau mesmo.
Tem de ser desavergonhado mesmo, cínico, descarado sem ter medida. Olhar no
olho do votante, que muitas vezes sabe de cor e salteado toda a vida política
do postulante, e ainda assim estender a mão santificada, é mesmo levar óleo de
peroba na cara. Cara de pau sem igual.
Mas sempre acontece assim. Do contrário, como
se apresentaria novamente como candidato aquele que nas alturas do mandato é
negado e aviltado pela população, e que logo sentencia: “Esse aí não ganha mais
de jeito nenhum”, “Esse aí tinha era que ter vergonha na cara antes de pensar
em ser candidato novamente”, “Esse aí deu pior que abóbora de chiqueiro”. Pelos
naufrágios conceituais, logo se tem que o político nem adianta mais se meter em
disputa eleitoral. Mas nada. De repente já estará desfazendo todo o
enlameamento com o seu nome. E como consegue?
Consegue. Sempre consegue. E consegue por que
a desonra sempre possui correspondência no mau-caratismo. Político assim,
negado pela população, criticado até por suas bases, enlameado até dizer chega,
não busca outro caminho senão suprir pelo dinheiro, pela compra de voto ou pelo
deslavado assistencialismo, seu desfalque no caráter e no respeito. Tendo com o
que comprar e encontrando quem aceite vender o voto, então o cara de pau logo
se transforma – ao menos para o eleitor – no candidato mais virtuoso do mundo.
E haja óleo de peroba pra todo mundo.
Um tostão que transforma o ladrão em
salvador. Uma cesta de alimentos que cala de vez toda a infestação de palavras
ruins. Uma promessa que vai sendo engolida com o cuspe da cumplicidade. Um
abraço que acaba selando a conivência com o imprestável. Um aperto de mão que
firma o compromisso com o quanto pior melhor. Que tempos, que costumes, diria o
outro. Mas é este o tempo do vale-tudo, do não vale nada valendo tudo, dos
acertos e conchavos que redundam na desonra pessoal presente e na desgraceira
futura. Acaba-se criando um círculo tão vicioso quanto destrutivo.
E já está em plena efervescência a estação
dos caras de pau. Os cupinzentos já deflagram investidas devastadoras. Mas uns
santos, uns verdadeiros santificados ao chegarem às comunidades, nas povoações,
na casa de cada um. Perecem mais amigos de velhas datas ou parentes que andaram
distantes. E logo aquele sorriso imenso, as cinco ou seis mãos estendidas,
abraços tão apertados como afetuosos. Tudo no engodo, na trama da enganação.
Alguns até sabem os nomes dos eleitores e não raro que vão até a cozinha, abram
panelas, metam a mão no pedaço de carne e depois lambam os beiços. Assim o
metiê do desavergonhamento. Mas tem muito mais.
Depois
os particulares, as conversas pelos cantos, as mãos nos bolsos, a
sem-vergonhice. Acaso se trate de liderança política, os acertos são sempre
mais formais, porém não menos vergonhosos. Retratos abraçados com o povo,
verdadeiros álbuns que mais tarde serão de tristes recordações. Depois do voto
comprado, a partida. E a certeza que somente dali a quatro anos o cara de pau
estará de retorno. Acaso não seja eleito, nunca mais sequer recordará que
aquele povo existiu.
Contudo, há um mistério por trás do cinismo e
descaramento político-eleitoral. A falta de vergonha na cara ainda não foi
cientificamente conceituada. Talvez pela enormidade de tipos e espécies, com
cada uma de mais óleo de peroba que a outra. Há indivíduo que já perdeu sua aparência
e sua feição tornou-se apenas numa máscara que é trocada de momento a momento,
dependendo da situação e perante o tipo de leitor. Mas todas as máscaras
sobressaindo um sorriso largo, bondoso, bonachão. É através da máscara que faz
a política, pois a verdadeira face sempre é imprestável a qualquer apresentação
pública. Já se deteriorou nos lamaçais.
O problema é que o cara de pau sequer está aí
para o seu futuro político, pois sempre com a certeza de que terá sua eleição
garantida. Culpa dele não, mas do povo, do eleitor, este tão esquecido,
vendável e consumível eleitor. Como dizia o Velho Titó, “o homem que vende o
voto vende tomem a muié, os fio, toda a vergonha se argum dia teve”. Não muito
diferente a assertiva difundida por Totoinho Bonome: “Acerto político, como
compra e venda de voto, deveria ser feito em cabaré, dentro dos quartos
imundos. Depois ninguém se conhece nem se cumprimenta mais. Já tá tudo pago,
sem ninguém reclamar mais um do outro”.
Tristes tempos, mas apenas uma repetição do
historicamente costumeiro. Agora, por exemplo, já batem de porta em porta
candidatos cujo mandato foi todo contra o povo e a classe trabalhadora. E
pousando de bons moços, fazendo doações e fechando ruas para festanças. Ainda
outro que lá em cima é algoz e cúmplice de toda a situação de miséria do povo,
mas que aqui se diz até postulante à governança. Só mesmo tendo muita cara de
pau. Mas o pior é que tem de sobra.
Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com
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