*Rangel Alves da Costa
As palavras são difíceis de serem
encontradas. Na mente, cada palavra surge como nuvem ligeira que se transforma
a cada instante, até mesmo como uma água de rio que vai passando para não mais retornar.
Será esta a sina do escritor, a de buscar a
permanência da palavra? Será seu ofício moldar a pedra como uma Stonehenge de
diluída eternidade? Será seu trabalho ser artesão de algo que jamais alcançará
a permanência desejada?
Não sei responder. Mas eis-me aqui perante
essa janela de solidão diante do caderno aberto, de lápis à mão e com a mente
em busca de palavras. Porém tudo nuvem, tudo folha de outono, tudo água de rio.
Tudo chega. Tudo passa. Tudo vai embora.
Sinto-me como um pintor naturalista ante uma
paisagem cinzenta e árida, porém desejoso de lançar sobre a tela algumas flores
de jardim primaveril. Mas nada vejo adiante que precise ser transformado. Hoje
não quero flores na minha escrita nem jardins cinzentos. Hoje eu queria apenas
escrever. E sobre qualquer coisa.
Mas é difícil demais escrever. Dizem que
Hemingway navegava quilômetros até encontrar um peixe que pudesse ser bem
descrito nos seus livros. Já Antoine de Saint-Exupéry fez de sua experiência de
piloto o encontro daqueles espaços que tão bem descreveu nas viagens de seu
Pequeno Príncipe.
Neste momento estou como uma pintura de
solidão. Uma pessoa em sua cadeira, olhando adiante para uma imensa janela que
dá para um descampado. Avista-se a pessoa, conhece-se do ambiente solitário e das
paisagens ao redor, mas ninguém pode imaginar o que poderia estar se passando
na mente daquela pessoa retratada.
Ou talvez eu esteja agora como a escultura O
Pensador, de Rodin, no seu semblante de bronze, na sua cabeça baixa e
pensativa, no seu olhar escondido, no seu gesto tão deprimido. O que estará
pensando o pensador? Talvez tudo. E tudo por que as ideias não surgem
descompartilhadas de outras imagens mentais.
Mas realmente não sei como estou agora. Só
sei que ainda estou em busca de um motivo para escrever e não consigo
encontrar. Minha palavra está presa, está enjaulada, talvez exaurida de tanto
dizer noutros idos. E agora como num silêncio amedrontado, apreensivo, submisso
ao que eu reinvente como escrita.
Mas não há mais o que reinventar, recriar,
procriar noutra feição e face. Tudo já foi dito. Tudo já foi escrito. Não quero
mais escrever algo que comece num amanhecer de paz, percorra o dia entre
labirintos e medos, para somente ao anoitecer a felicidade seja reencontrada.
Não quero mais tramas assim nem enredos assim.
Minha tendência agora é escreve sem palavras.
Escrever um livro com mais de duzentas páginas, porém sem escrever uma só
palavra. Sei que as traças me pedem para escrever mais e mais, sei que as
gavetas empoeiradas me pedem para escrever mais e mais. Mas cansei de escrever
apenas para a poeira e o pó.
Agora vou escrever apenas livros que não
possuam palavras, nem uma letra sequer. Livros calados, quietos, silenciosos.
Livros nus, despidos, sem medo de ventania. Livros sem desenhos ou figuras, sem
imagens ou prefácios, sem começo nem fim. Um livro em branco. E na brancura nua
em que estou agora.
E quando alguém perguntar sobre o que
tratarei no meu próximo livro, então simplesmente direi: Sobre o nada. Um livro
de páginas em branco do começo ao fim. E tudo como se ali estivesse ausente,
levado pelo vento, sumido da existência. E contando a história de cada um sem
nada dizer sobre a vida a vida de cada um.
Talvez seja o livro de tudo nascido do nada.
E por isso mesmo cada leitor poderá entrar nas suas páginas e imprimir ali suas
próprias histórias, suas próprias existências.
Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com
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