*Rangel Alves da Costa
Apenas um
olhar num velho. Apenas um velho com seu olhar. E um olhar tão velho que já não
avista mais nada que seja novo. Será?
Apenas um
velho sentado à sombra do seu entardecer. Um velho ladeado por folhas secas e
mortas que lhe caem aos montes sobre sua cabeça. Será?
Apenas um
velho marcado de tempo e levando à mão uma bengala como o próprio passo. Um
velho sem passo firme, já sem estrada e sem chão. Será?
Apenas um
velho retirado numa casa do outro lado do centro da cidade e convivendo com seu
mundo de poucas vozes e muita solidão. Será?
Apenas um
velho com cabelos de algodão e tez encoberta de tempo, com olhar distante e sem
marcas de sorrisos pela boca. Será?
Apenas um
velho entregue ao vento e à ventania, aos pingos de chuva, ao sol ou ao tempo
nublado, ao que a vida queira lhe soprar. Será?
Apenas um
velho cuja calçada já lhe espera como um amigo de todo dia, cuja cadeira lhe
espera como alguém com algo a confidenciar. Será?
Apenas um
velho cuja soma dos anos já não se soma mais, que os janeiros e dezembros já se
desgastaram nos calendários. Será?
Apenas um
velho que já nem sente fome ou sede, que já não pede um doce ou um café, pois
tudo que lhe cai bem é somente o remédio ou chá. Será?
Apenas um
velho que a tudo que vê não interessa mais, pois tudo já avistado demais, tudo
já experimentado demais, tudo já festejado e sofrido demais. Será?
Apenas um
velho sem roupa nova, sem sapato novo, sem chinelo novo, sem lenço novo, sem
espelho, sem pente, sem nada que lhe dê valia. Será?
Apenas um
velho que além de velho é grão, é poeira, é pó, é resto de tudo, é o que já não
brota mais pelo desgaste do tempo. Será?
Ou apenas
um velho já esquecido por tantos e todos, por familiares, parentes e amigos, e
só encontrado aí nesse seu mundo-vida? Não. Não e não.
Não é um
velho, e sim um livro. Não é um velho, e sim uma estrada tão longa que olhos
outros já não conseguem avistar. Não é um velho, e sim um homem e sua história.
Não é um
velho, e sim um senhor e o que o mundo possa lhe reconhecer e respeitar. Não,
jamais apenas um velho. O velho tem nome, pulsa vida.
Sim, o
velho tem nome e vida, tem passado e presente, foi e ainda é. Seu nome: João
Saturnino dos Santos, o João Capoeira, em seu retrato vivo e já secular na
idade.
Quantos
terão sua glória, quantos viverão sua história, quantos viverão tanto tempo
para contar as proezas, as alegrias e as dores de um mundo distante?
Mas Seu
João ainda conta. Vaqueiro na Fazenda Capoeiras, convivendo ladeado por
cangaceiros e volantes, irmão de Enedina de Zé de Julião, um viajante do mundo,
um passo espinhento e florido na terra sertão, um pássaro-vida em plena
liberdade de ser o que sempre desejou ser: apenas sertanejo.
Digo-te,
Seu João, honrada é a terra que ainda tem sobre o seu chão um tronco ainda tão
opulento e uma raiz tão belamente florida. Honrada é a terra cujo filho não se
esquece de lhe pedir a benção. Benção, Seu João!
Honrada
sua terra Poço Redondo, honrado este chão sergipano e sertanejo que ainda o tem
como filho amado. Honrado todo aquele que ao passar perante sua calçada
encontrar tempo de reverenciá-lo e dizer: Benção, Seu João!
Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com
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