SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



sexta-feira, 11 de maio de 2018

APENAS UM VELHO?



*Rangel Alves da Costa


Apenas um olhar num velho. Apenas um velho com seu olhar. E um olhar tão velho que já não avista mais nada que seja novo. Será?
Apenas um velho sentado à sombra do seu entardecer. Um velho ladeado por folhas secas e mortas que lhe caem aos montes sobre sua cabeça. Será?
Apenas um velho marcado de tempo e levando à mão uma bengala como o próprio passo. Um velho sem passo firme, já sem estrada e sem chão. Será?
Apenas um velho retirado numa casa do outro lado do centro da cidade e convivendo com seu mundo de poucas vozes e muita solidão. Será?
Apenas um velho com cabelos de algodão e tez encoberta de tempo, com olhar distante e sem marcas de sorrisos pela boca. Será?
Apenas um velho entregue ao vento e à ventania, aos pingos de chuva, ao sol ou ao tempo nublado, ao que a vida queira lhe soprar. Será?
Apenas um velho cuja calçada já lhe espera como um amigo de todo dia, cuja cadeira lhe espera como alguém com algo a confidenciar. Será?
Apenas um velho cuja soma dos anos já não se soma mais, que os janeiros e dezembros já se desgastaram nos calendários. Será?
Apenas um velho que já nem sente fome ou sede, que já não pede um doce ou um café, pois tudo que lhe cai bem é somente o remédio ou chá. Será?
Apenas um velho que a tudo que vê não interessa mais, pois tudo já avistado demais, tudo já experimentado demais, tudo já festejado e sofrido demais. Será?
Apenas um velho sem roupa nova, sem sapato novo, sem chinelo novo, sem lenço novo, sem espelho, sem pente, sem nada que lhe dê valia. Será?
Apenas um velho que além de velho é grão, é poeira, é pó, é resto de tudo, é o que já não brota mais pelo desgaste do tempo. Será?
Ou apenas um velho já esquecido por tantos e todos, por familiares, parentes e amigos, e só encontrado aí nesse seu mundo-vida? Não. Não e não.
Não é um velho, e sim um livro. Não é um velho, e sim uma estrada tão longa que olhos outros já não conseguem avistar. Não é um velho, e sim um homem e sua história.
Não é um velho, e sim um senhor e o que o mundo possa lhe reconhecer e respeitar. Não, jamais apenas um velho. O velho tem nome, pulsa vida.
Sim, o velho tem nome e vida, tem passado e presente, foi e ainda é. Seu nome: João Saturnino dos Santos, o João Capoeira, em seu retrato vivo e já secular na idade.
Quantos terão sua glória, quantos viverão sua história, quantos viverão tanto tempo para contar as proezas, as alegrias e as dores de um mundo distante?
Mas Seu João ainda conta. Vaqueiro na Fazenda Capoeiras, convivendo ladeado por cangaceiros e volantes, irmão de Enedina de Zé de Julião, um viajante do mundo, um passo espinhento e florido na terra sertão, um pássaro-vida em plena liberdade de ser o que sempre desejou ser: apenas sertanejo.
Digo-te, Seu João, honrada é a terra que ainda tem sobre o seu chão um tronco ainda tão opulento e uma raiz tão belamente florida. Honrada é a terra cujo filho não se esquece de lhe pedir a benção. Benção, Seu João!
Honrada sua terra Poço Redondo, honrado este chão sergipano e sertanejo que ainda o tem como filho amado. Honrado todo aquele que ao passar perante sua calçada encontrar tempo de reverenciá-lo e dizer: Benção, Seu João!


Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com

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