*Rangel Alves da Costa
Naqueles idos de 32, ano do famoso Fogo da
Maranduba, em cujo mês de janeiro as volantes comandadas pelo baiano tenente Liberato
de Carvalho e pelo pernambucano Manoel Neto, arremeteram contra o bando de
Lampião acoitado nos arredores da Fazenda Maranduba, sendo aquelas derrotadas
pela astúcia estratégica do Capitão, o até agora pouco conhecido aconteceu. E
com consequências realmente inacreditáveis.
Pois bem. Rumbora. Àquela época as terras da
Fazenda Maranduba, na povoação sergipana e sertaneja de Poço Redondo (então
distrito de Porto da Folha), pertenciam à família Soares, tendo sua matriarca
Dona Maria da Invenção Soares o seu comando, ainda que sua residência familiar
fosse situada em Curralinho, nas beiradas do Rio São Francisco. Sua residência
ficava numa das esquinas da Rua da Frente, defronte ao rio, nas proximidades da
capelinha de Santo Antônio.
Era, na verdade, uma vida dividida entre
Curralinho e Maranduba, passando temporadas num ou noutro lugar. Mas seus
filhos homens, dentre os quais Lé Soares, Pedro Soares, Josias Soares e Antônio
Soares, nomes ainda hoje afamados pelo tino vaqueiro e pelas proezas na lida da
terra e do gado, geralmente permaneciam mais tempo na propriedade familiar, na
Maranduba. Não se sabe muito bem se já eram conhecidos de Lampião e seu bando,
mas a verdade é que no dia do famoso fogo, a 9 de janeiro, um dos filhos de
Dona Invenção estava no lugar errado e na hora errada. Seu nome: Antônio
Soares.
Quando Lampião chegou às terras da Maranduba
o sol já estava alto. Depois de pernoitar nos arredores da Fazenda Queimada
Grande (sem saber que a volante de Liberato de Carvalho estava por perto, pois
o comandante baiano havia passado a noite na casa da fazenda, de propriedade de
seu irmão Piduca da Serra Negra), o bando seguiu em direção às terras de Dona
Invenção, certamente apenas como passagem rumo aos limites baianos. A parada
foi para o descanso e o preparo do regabofe. Os cangaceiros sequer imaginavam
que em tão pouco tempo seriam surpreendidos não por uma tropa volante, mas por
duas.
Estrategicamente precavidos, espalhados
debaixo de umbuzeiros, encobertos por tufos de matos e arvoredos sertanejos,
mesmo assim foram surpreendidos com os assombros que começaram a surgir nas
sombras distantes: os homens das volantes. Corre e corre, toma posição
defensiva e de ataque, protege-se, espera-se um momento ideal para atacar. Só
havia um problema: Antônio Soares estava ali. O filho de Dona Invenção estava
reunido com um dos grupos cangaceiros debaixo de um umbuzeiro quando as
volantes chegaram. Foi quando Maria Bonita gritou: “Corre Tonho Soares!”.
O grito de Maria Bonita e o eco do nome Tonho
Soares tiveram consequências devastadoras. Aquele nome seria cobrado muito caro
pelas volantes, principalmente pelo ódio escorraçado e derrotado do comandante
Liberato de Carvalho. E assim porque, não conseguindo superar e vencer as
forças cangaceiras, o comandante baiano prontamente lançou seu ódio sobre a
família Soares, dona da Maranduba. Acreditava-se que a presença de Antônio
Soares junto ao bando era a comprovação de que a família dava apoio e guarida
ao bando do Lampião.
Com efeito, assim que Liberato de Carvalho
chegou a Curralinho transportando em redes os feridos da batalha, a primeira
providência tomada foi mandar que seus comandados prendessem todos os filhos de
Dona Invenção. Mas queria um troféu chamado Antônio Soares. Este, porém, não
estava. Fugindo da batalha foi parar nas terras de Canindé. Os irmãos Soares
então foram levados presos em canoas até Canindé, mas forçosamente liberados
após não terem encontrando a caça maior. Aqueles não interessavam, apenas
Antônio, aquele mesmo avisado por Maria Bonita: “Corre Tonho Soares!”.
E daí em diante entra o inacreditável da
história. Avisado do ocorrido, Antônio Soares permaneceu escondido na mata por
mais de ano. Todo rasgado, faminto, barbudo e cabeludo, parecendo um bicho.
Comia do que encontrava no mato e do bicho que conseguia matar. Calçava chinelo
feito de couro de boi morto na caatinga e adormecia nos escondidos. Até que um
dia recebeu uma inesperada visita. Avistou um pássaro estranho pairando no alto
e sentiu algo como uma revelação. Teria que ir urgentemente a Juazeiro do
Norte, pois Padre Cícero lhe esperava.
E foi. Andando pelo meio do mato, mas chegou
à sagrada terra nordestina já muito entrado o ano de 33. Sem se importar com a
aparência que causava espanto às pessoas, postou-se numa praça e ali ficou
imaginando o que fazer. De repente viu um padre de batina escura se aproximar e
logo percebeu que era o Padre Cícero. As primeiras palavras do padre: “Você é
Antônio Soares, não é?”. Espantado com aquele reconhecimento, só tomou prumo de
si quando Padre Cícero colocou dinheiro em sua mão e pediu para que
providenciasse logo a mudança naquela aparência, comprando roupa, fazendo o
cabelo e a barba e se alimentando.
Depois disso, já no encontro marcado para o
dia seguinte, ouviu do padre: “Tome aqui esse dinheiro e agora já pode
retornar. Tem dinheiro suficiente para que dê esmola a quem precisar até a
chegada ao seu destino. Mas não vá para outro lugar. Volte para as terras de
onde veio, para a casa de sua família”. Então Antônio Soares retornou a
Maranduba e nela viveu sem ser mais incomodado por ninguém.
Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com
Nenhum comentário:
Postar um comentário