*Rangel Alves da Costa
Já se passaram das cinco horas da tarde e
nada aconteceu. Nada aconteceu e parece que nada vai acontecer. Simplesmente
por que nada acontece.
Hoje o leiteiro não veio. Todos os dias, às
cinco da manhã, ele desponta já gritando que “oi o leite, oi o leite”. Mas hoje
o leite não chegou.
Hoje o jornaleiro também não veio. Ainda mais
cedo que o leiteiro, pois lançando seu jornal entre as grades bem antes das
cinco da manhã, hoje eu não encontrei nenhuma notícia espalhada entre os cantos
empoeirados.
Como de costumo, assim que levanto logo
apronto um cafezinho bem forte para tomar. Hoje coloquei a água para ferver,
depois comecei a mirar os espaços, e acabei esquecendo que a xícara já estava
até com o café granulado.
Não sei o motivo de assim acontecer. Também
me esqueci de abrir a janela e nem me dei conta de caminhar em meio às
folhagens caídas de um jardim sem flores. O sol já estava alto quando seus
reflexos começaram a entrar pelas frestas.
A Bíblia ficou no seu lugar e o Salmo colhido
ao acaso deixou de ser lido. Recordo apenas que sussurrei um evangelho inteiro
enquanto dobrava minha rede de dormir. Sorte a minha que não havia compromisso
marcado para a manhã, pois certamente não o cumpriria.
Nada aconteceu. Estranho que assim tivesse
acontecido desde que pulei da rede ainda na madrugada. Mesmo não havendo galo
no quintal, sempre que digo que jamais permitirei que ele cante primeiro do meu
levantar. Geralmente ainda está escurecido quando coloco os pés no chão.
Será que somente comigo assim aconteceu? Creio
que não. A bem dizer, por aqui nada parecido com os versos e os reversos do
Eclesiastes. Aqui tudo sempre acontece do mesmo jeito, ou nada acontece que
seja diferente. Dia após dia e a mesma manhã e a mesma noite, o mesmo passar
das horas, o mesmo sol e a mesma lua.
Quem dera que a ventania soprasse outros
ares. Abriria ainda mais a janela para receber novas borboletas, novos colibris,
novas folhagens secas. Deixaria a porta sempre aberta para que as notícias do
vento entrassem em profusão. E quem sabe um acontecimento na natureza além das
folhagens zunindo seus segredos.
Também não espero carteiro porque desde muito
que não aparece. A última vez que passou por aqui acabou chorando com a carta
que abriu antes de me entregar. “Cordiais saudações, apenas para dizer que
acabou o que restava do nosso amor. Meus lábios já não são seus, meu beijo já
não é seu. Tudo em mim cegou em sua direção...”. Foi o que o carteiro leu e
chorou.
Não me dou mais o desprazer de ligar a
televisão. Rádio apenas de vez em quando, quando chega o entardecer e quero
relembrar meu sertão através da velha música caipira. Mas televisão de jeito nenhum.
Só se ouve notícia escabrosa, ruim, corrompida, ensanguentada, coisa que
ninguém suporta nem mais ouvir falar. Mas é o que mais acontece.
Mas quem sou eu para querer que as coisas
mudem? Eu mesmo pouco mudo em minha vida. O mesmo café forte sem açúcar, a
mesma poesia sem jeito de ser poesia, o mesmo cigarro aceso depois do café, o
mesmo olhar marejado assim que a chuva começa a cair. Uma estátua, talvez, nas
mesmices continuadas do mesmo jeito.
Certa feita me deu vontade de arrancar as
asas de uma borboleta para ver o que acontecia. Mas achei que não tinha graça.
Resolvi então escrever um livro na nuvem e sem jamais ter final. A cada dia
surgia uma página diferente em branco e então resolvi que era melhor conversar
sozinho.
E é o que sempre faço ainda hoje. Converso
sozinho e me pergunto por que nunca nada acontece. Até que eu silencie de vez e
no silêncio a resposta que um dia virá.
Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com
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