SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



domingo, 6 de maio de 2018

NO SERTÃO, CHUVA E BENÇÃO



*Rangel Alves da Costa


Não se pode dizer de um todo a partir de uma especificidade, mas ao menos na cidade de Poço Redondo, no Alto Sertão Sergipano do São Francisco, o domingo amanheceu já molhado e depois se lavou ainda mais com a chuva que foi caindo em compasso. Compasso por que entre repousos e chuviscamentos, ora mais volumosos ora mais serenados.
Mas desde ontem que o tempo se preparou para chover, e até choveu num instante ou noutro. Ao sertanejo não importa que seja logo chuva muita, graúda, de o pingo bater no chão e se espalhar pelos ares. Não. Ao sertanejo importa que chova, que depois do tempo nublado, fechado, a chuva realmente chegue. E que sabe, depois disso, a molhação de encharcar chão e transbordar riachos e fontes.
No ano passado, neste mesmo período, as chuvas já eram muitas, constantes, graciosas e dadivosas demais. Muitas foram as plantações e quem plantou colheu, principalmente o milho. As fogueiras juninas não deixaram de ter uma espiguinha por riba. Não foi muita coisa, até bem menos do que o esperado, mas ainda assim bem diferente do que sempre costuma acontecer, quando se trata de sertão quase sempre seco e esturricado.
Agora, mesmo não sendo muitas as chuvas, o sertanejo já alonga sua esperança. Verdade que o tempo de plantar já passou, pois a semeadura deve ser feita lá pelo mês de março, pelos arredores do Dia de São José, mas ainda assim há gente que se arrisque em jogue semente sobre a terra. Quem sabe se não, brota e floresce o legume que tanto deseja e precisa para sobreviver.
É uma vida que sempre depende das chuvas. Quando passa ano e mais ano sem chover é como se o mundo sertanejo fosse definhando dia após dia. Tanque seco, pastagem nua e esturricada, bicho faminto, famílias com fome, mesas e pratos sem nada, bichos agonizando debaixo dos sóis, um sofrimento indescritível.
Por isso mesmo, principalmente pelo medo de a chuva não chegar, que o sertanejo joga toda sua esperança na barra do alvorecer. Mira o tempo, estuda os horizontes, analisa o comportamento da natureza ao redor, para depois mostrar uma face de esperança ou entristecer ainda mais o semblante. A vida depende de cima, da nuvem, do que possa cair como graça sagrada.
Sua esperança parece agora recompensada, pois as chuvas, mesmo poucas, estão caindo nas noites e auroras sertanejas. E com a terra molhada tudo melhora, tudo ganha mais vida, tudo parece em renascimento. O calor diminui, o verde retoma seu lugar nas paisagens, as poeiras somem pelas estradas, os pássaros trinam seus madrigais mais felizes.
Causa imenso prazer caminhar pelas estradas e veredas matutas depois de dias chuvosos. Não há mais o espectro assustador da ossada do bicho ou do bicho quase caindo pela fraqueza. Não há mais a desolação nas léguas e mais léguas avistadas pelo olhar. As casinhas, perante as manhãs chuvosas, abrem suas portas como se estivessem tomadas por pessoas que já não temem o que possam encontrar do lado de fora. Que tristeza danada ao abrir a porta e só encontrar a secura tomando conta de tudo!
Talvez mais tarde o sol retome sua força. Sempre acontece assim no sertão. E quando o sol se abre em flor, mais parece uma fornalha despejando seu lume. O que alenta é que os dias estão sendo marcados pelo sol e pela chuva, numa disputa tão comemorada pelo sertanejo. O sol se levanta, assusta, mas logo as nuvens recobrem tudo e as chuvas começam a cair.
Assim neste sertão onde agora estou. Sertão onde nasci e que tão bem conheço nos seus quadrantes. E mesmo não tendo roçado ou pastagem, rebanho ou qualquer bicho de cria, cada pingo caído, sentido no olhar e na alma, será sempre benção ao meu coração sertanejo.


Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com

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