*Rangel Alves da Costa
Ninguém
sabe ao certo a idade da velha quando ela deixou de acender o cachimbo e foi
chamejar lá no céu. Aquele cheiro forte do cachimbo sendo aceso havia cessado
de vez. Fogo na ponta de pau sem mais valia para o fumaçar.
Mesmo em
vida, e até bem antes de morrer, difícil demais era imaginar quantos anos
poderia ter aquele rosto já petrificado de tanta existência. Já não envelhecia
nem murchava mais, apenas existia em si mesma e em suas profundas marcas.
Sinhá
Dagomélia, mas será que alguém chorou por ela quando se findou dessa vida? Será
que pessoa desse mundo teve a piedade de rezar uma ladainha e acender vela
perante a esteira servindo como caixão e por cima do chão? Será que houve
caixão defuntesco?
Dizem que
um gato chorou. Dizem que o barro batido da parede chorou. Dizem que a velha
andorinha da cumeeira também chorou. E o vento soprava choroso. As folhagens
pareciam soluçar. Mas será que só?
Uma
história muito triste de contar. E só vou contar por que me achei no dever de
não deixar apagada de vez a memória de Sinhá Dagomélia. Eu mesmo já passei pela
sua porta, bati e matei minha sede. Ainda mordi um pedaço de cocada de frade.
Já viúva
desde muito, sempre esquecida por aqueles que fez vir ao mundo, levava seus
dias entre as recordações de uma cadeira de balanço rente à janela, a solidão
de seu barraco e o vazio de seu quintal.
Apenas um
neto, já homem feito, de vez em quando aparecia por lá para saber se ela estava
precisando de alguma coisa. Mas sempre voltava levando parte da miúda
aposentadoria que a avó recebia. De resto, era uma vida de silêncio e de
solidão.
Não tanto
silêncio assim, pois quem passava pela janela sempre dizia tê-la ouvida
conversando com o seu falecido: “Venha me buscar logo Totonho, venha...”. E
repetia e repetia. “Totonho, meu Totonho, venha logo me buscar...”.
Dos olhos
desciam lágrimas que faziam o velho rosto brilhar perante a luz entrando pela
janela. Mas talvez ela chorasse mais por dentro do que por fora. Assim acontece
quando a fonte de dentro é maior que o barreiro de fora.
Um dia, já
ao entardecer e depois de repetir mais de dez vezes o pedido ao falecido, de
repente ouviu um galope ao longe, e logo o cavalo chegando à sua porta. “Estou
pronta, Totonho. Estou pronta!”. A ilusão dos adeuses.
Ali estava
e ali mesmo ficou, com apenas a cadeira balançando o corpo sem vida. E
balançava e balançava, lentamente balançava. A velha parecia sorrir pela
partida. Já tudo no breu da noite, ainda assim dois candeeiros se acenderam
sozinhos.
Uma flor
foi trazida pelo açoite do vento e colocada sobre o seu peito. O silêncio
parecia orar. A porta se abriu e um pedaço de luz se fez de manto àquela morte.
A sala se encheu de folhagens tristes. Os bichos do mato chegaram para o último
adeus. Mas coisa mais estranha ainda aconteceu.
Ao
amanhecer, de repente o corpo da velha havia sumido. Até hoje ninguém sabe
dizer o que realmente aconteceu. Mas dizem que um cavalo partiu da porta em
disparada e foi sumindo pela estrada.
Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com
2 comentários:
Legar crônica!
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