SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



terça-feira, 9 de outubro de 2018

A TRISTE NUDEZ DO SERTÃO



*Rangel Alves da Costa


Desde muito que o sertão nordestino foi transformado. Os primeiros colonizadores tiveram que vencer a mata fechada e hostil, densamente habitada por bicho de toda espécie. Somente pela lâmina afiada se podia abrir caminho para chegar mais adiante. Mesmo com as picadas e veredas abertas, ainda assim a fauna e a flora nativas continuaram em abundância.
Também não foi o fim do mundo quando aquela gente chegada pelas beiradas do rio ou cortando a mataria, começou a desmatar para erguer moradia, construir currais e abrir pastagens para os rebanhos, ou mesmo para o cultivo de subsistência e, mais tarde, para produções excedentes. E assim porque o homem respeitava a terra, somente avançando sobre ela naquilo que fosse essencial para a sobrevivência.
Contudo, a partir do instante que as primeiras povoações se transformaram em cidades e grandes levas de forasteiros acorreram aos sertões em busca de dias melhores, então se iniciou a descaracterização não só da vegetação nativa como do bicho e seu habitat. E assim ocorreu porque a demanda pelo consumo interiorano passou a exigir maior uso da terra e da caça como meio de alimentação.
As pequenas propriedades foram derrubando o mato e expulsando os bichos que nelas faziam moradia. E tudo não devastado de vez pelos grandes latifúndios ainda existentes. Somente as propriedades portentosas, ainda que tidas como improdutivas, resguardavam nos seus confins tanto a vegetação nativa, rica, imponente, como as espécies que corriam livres de canto a outro. Havia o arvoredo, o pé de pau, a galhagem, o emaranhado de cipó e tronco e, consequentemente, o lar propício à permanência da onça, do veado, do caititu, de todo uma fauna própria da região sertaneja.
Mas quando, já na última quadra do século passado, a reforma agrária avançou sertões adentro e transformou latifúndios em terras de muitos, então a mata e o bicho se viram numa encruzilhada. Já não contavam com a terra inteira, grande, livre, para viver os seus ciclos de existência. O fim do latifúndio significou, assim, a derrocada da natureza ainda rica em espécies. E tal quadro se acentuou com a divisão e loteamento das grandes propriedades, passando a cada novo assentado o direito de transformá-la como bem entendesse.
Se o fim do latifúndio significou a morte da natureza, a posse da terra pelos trabalhadores sem-terra (advindos dos movimentos sociais de luta pela reforma agrária) significou o seu sepultamento. Como um dos objetivos da reforma agrária era a concessão de terras para que os excluídos pudessem produzir seus próprios meios de subsistência, então a primeira coisa que os assentados fizeram foi desmatar, derrubar a vegetação grandiosa existente para, em cima da terra nua, plantar e colher.
E foi o começo do fim da planta e do bicho no sertão. Em pouco tempo e não havia mais árvores portentosas, bichos se escondendo nas locas, pulando de galho em galho, correndo de canto a outra. Ora, sabido é que sem mata não há como sequer o passarinho sobreviver. Sem galhagem para fazer o ninho, sem copa para repousar, sem o fruto e a flor para se alimentar, então não há como permanecer no lugar. E assim aconteceu com todas as espécies de animais.
E o desmatamento foi se acentuando de tal modo que hoje em dia é raridade encontrar uma sombra debaixo de qualquer árvore. Somente as cactáceas permaneceram na sua desolação. Com a terra nua, aberta, desprotegida da natureza, o calor aumenta cada vez mais. Ora, o raio solar que não encontra um manto verde, protetor, logo abaixo, incide sobre a terra nua e vai se espalhando pelos quadrantes sertanejos em forma de abrasamento.
O boi, a vaca, o cavalo, os bicho ainda existentes, todos pastam sedentos num deserto sem fim. Dia e noite debaixo do tempo nu e da terra seca. Uma vida num deserto forjado pelo homem e que tende a se transformar em fornalha com o passar dos anos. Assim a existência na terra nua, na mais triste desolação.


Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com

Nenhum comentário: