*Rangel Alves da Costa
Desde muito que o sertão nordestino foi
transformado. Os primeiros colonizadores tiveram que vencer a mata fechada e
hostil, densamente habitada por bicho de toda espécie. Somente pela lâmina
afiada se podia abrir caminho para chegar mais adiante. Mesmo com as picadas e
veredas abertas, ainda assim a fauna e a flora nativas continuaram em
abundância.
Também não foi o fim do mundo quando aquela
gente chegada pelas beiradas do rio ou cortando a mataria, começou a desmatar
para erguer moradia, construir currais e abrir pastagens para os rebanhos, ou
mesmo para o cultivo de subsistência e, mais tarde, para produções excedentes.
E assim porque o homem respeitava a terra, somente avançando sobre ela naquilo
que fosse essencial para a sobrevivência.
Contudo, a partir do instante que as
primeiras povoações se transformaram em cidades e grandes levas de forasteiros
acorreram aos sertões em busca de dias melhores, então se iniciou a
descaracterização não só da vegetação nativa como do bicho e seu habitat. E
assim ocorreu porque a demanda pelo consumo interiorano passou a exigir maior
uso da terra e da caça como meio de alimentação.
As pequenas propriedades foram derrubando o
mato e expulsando os bichos que nelas faziam moradia. E tudo não devastado de
vez pelos grandes latifúndios ainda existentes. Somente as propriedades
portentosas, ainda que tidas como improdutivas, resguardavam nos seus confins
tanto a vegetação nativa, rica, imponente, como as espécies que corriam livres
de canto a outro. Havia o arvoredo, o pé de pau, a galhagem, o emaranhado de
cipó e tronco e, consequentemente, o lar propício à permanência da onça, do
veado, do caititu, de todo uma fauna própria da região sertaneja.
Mas quando, já na última quadra do século
passado, a reforma agrária avançou sertões adentro e transformou latifúndios em
terras de muitos, então a mata e o bicho se viram numa encruzilhada. Já não
contavam com a terra inteira, grande, livre, para viver os seus ciclos de
existência. O fim do latifúndio significou, assim, a derrocada da natureza ainda
rica em espécies. E tal quadro se acentuou com a divisão e loteamento das
grandes propriedades, passando a cada novo assentado o direito de transformá-la
como bem entendesse.
Se o fim do latifúndio significou a morte da
natureza, a posse da terra pelos trabalhadores sem-terra (advindos dos
movimentos sociais de luta pela reforma agrária) significou o seu sepultamento.
Como um dos objetivos da reforma agrária era a concessão de terras para que os
excluídos pudessem produzir seus próprios meios de subsistência, então a
primeira coisa que os assentados fizeram foi desmatar, derrubar a vegetação
grandiosa existente para, em cima da terra nua, plantar e colher.
E foi o começo do fim da planta e do bicho no
sertão. Em pouco tempo e não havia mais árvores portentosas, bichos se
escondendo nas locas, pulando de galho em galho, correndo de canto a outra.
Ora, sabido é que sem mata não há como sequer o passarinho sobreviver. Sem
galhagem para fazer o ninho, sem copa para repousar, sem o fruto e a flor para
se alimentar, então não há como permanecer no lugar. E assim aconteceu com
todas as espécies de animais.
E o desmatamento foi se acentuando de tal
modo que hoje em dia é raridade encontrar uma sombra debaixo de qualquer
árvore. Somente as cactáceas permaneceram na sua desolação. Com a terra nua,
aberta, desprotegida da natureza, o calor aumenta cada vez mais. Ora, o raio
solar que não encontra um manto verde, protetor, logo abaixo, incide sobre a
terra nua e vai se espalhando pelos quadrantes sertanejos em forma de
abrasamento.
O boi, a vaca, o cavalo, os bicho ainda
existentes, todos pastam sedentos num deserto sem fim. Dia e noite debaixo do tempo
nu e da terra seca. Uma vida num deserto forjado pelo homem e que tende a se
transformar em fornalha com o passar dos anos. Assim a existência na terra nua,
na mais triste desolação.
Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com
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