*Rangel Alves da Costa
Não há
bicho mais traiçoeiro que cobra, não há rastejante mais ardilosa que a
serpente, não há nada mais astuciosa e perigosa que a peçonhenta. Triste fim de
quem cair na sanha cavilosa da víbora. De maldosa e vil inteligência, planeja
cada passo de seu ataque. Pode passar dias e mais dias escondida nos tufos do
mato até que o calcanhar esperado passe bem à frente. Não se cansa de esperar
para fazer a maldade, para ferir, para fazer sangrar e até matar sua presa. A
serpente é bicho tão abominavelmente ruim que chega, por desejo próprio e em
desmedida fúria, a se rasgar todinha, a se morder todinha, acaso não consiga
seu objetivo de ferir ou de matar. Cascavéis, jararacas, surucucus, urutus,
corais, jararacuçus, todas imensamente agressivas e traiçoeiras. Suas presas
afiadas, seus venenos espargindo ódio e crueldade, seus olhos secos de tanto
mirar suas presas, seus botes fatais e mortíferos. Uma simples picada e a morte
certa. Estou falando de cobras, de serpentes, de peçonhentas. Mas apenas de
cobras? Não. Também de pessoas, de pessoas, de pessoas. E sem medo de errar,
confirmo: Tem gente que morde e envenena cobra. Tem gente muito mais perigosa
que a mais perigosa das serpentes. E triste de quem se tornar sua vítima.
Não há
bicho mais traiçoeiro, vil, perverso e falso que cobra. Escondida entre folhas,
parece até desfalecida ou morta. Quem a avista sequer imagina o perigo ali
presente. Mas ali, naquela sonsice do mundo, apenas a trama ganhando vida. Mais
acordada que nunca, mais envivecida que nunca, apenas está tecendo estratégias
de ataque, de bote, de alcançar o calcanhar desejado. Quando alguém inadvertidamente
se aproxima, e mesmo que chegue tão perto que seja capaz de tocá-la, ainda
assim ela estará imóvel, inerte, fingindo não estar vendo ou sentindo qualquer
presença. E de repente o bote. Sim, de repente seu corpo se move com tamanha
rapidez que será impossível evitar o ferimento. E no instante seguinte o veneno
já estará entranhado na pele. A vida por um fio, a morte certa. E quantas
pessoas agem também assim? Quantas pessoas se ocultam, permanecem fingidas,
fazendo de conta que estão ausentes, para num só bote destruírem uma vida.
Pessoas más, infames, covardes, calculistas. Com inteligência inigualável para
o mal. E outra coisa não sabem fazer senão a maldade. Pessoas víboras,
serpentes, cascavéis. Pessoas peçonhentas, envenenadas, maléficas. Conheço
muitas assim. De vez em quando me vejo diante de botes, mas nada igual ao
veneno partido da presa amorosa. Morde com o lábio, envenena com o sexo, mata
sem dó nem piedade.
Não há
bicho mais abominável que a serpente. Ora, destruiu o paraíso e quanto mais um
reles convívio neste mundo demasiadamente humano. Já vi cobra usando sapato
alto. Já vi cobra usando batom. Já vi cobra se sensualizando toda, mas somente
para atacar. Já vi cobra de roupa bonita e cabelo arrumado. Já vi cobra toda
perfumada e de pele brilhosa na fina flor. Já vi cobra chegar pelas esquinas,
com passo apressado, parecendo querer se esconder de alguma coisa. Já vi cobra
usando anel e pulseira, brincos e piercing no umbigo. Já vi cobra dizendo que
ama aquele que vai morder, que vai atacar, que vai matar. Já vi cobra se entregar
nos lençóis e depois sufocar sua presa. Já vi cobra retornar e no retorno encantar
mais ainda, para depois ficar mais fácil de envenenar. Já vi cobrar envenenar
um e em seguida correr para envenenar outro. E depois que tudo destrói ainda se
faz de vítima, e talvez até pranteie o que só fez destruir. Já vi cobra com
todo tipo de nome. Jararaca, urutu, cobra-coral, cascavel, surucucu, cotiara,
píton, naja. Mas nada igual a uma que conheço. E com nome de mulher. A mais
perigosa de todas. O problema é que está mordendo o próprio rabo. Vai morrer arroxeada
pelo próprio veneno.
Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com
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