*Rangel Alves da Costa
Querôncio
tentou esconder da esposa a lágrima que lhe escorria. Não adiantou. Desde
alguns dias que Zulmira, sua mulher e vida, já vinha pressentindo uma tristeza
além da conta na face ressequida de sol do companheiro.
Os olhos
então, uma agonia só. Fundos e profundos, sem brilho, sem vontade de nada
avistar. Do lado de fora, pelos arredores da malhada, uma vaca berrou. Um berro
aflitivo e angustiante. A lágrima de Querôncio se fez em duas. Seu rosto
enxurrou. Não podia negar mais nada.
Outro
bicho berrou. Mas que mugido dilacerante. Zulmira abriu a janela e o sol entrou
em fornalha. Uma língua de fogo, uma sanha terrível. “Ainda tem palma?”. Foi a
pergunta da esposa, dizendo tudo em poucas palavras.
“Tem não,
muié, tem não. Tomem num tem mais capim seco nem rama de nada. Num há mais nada
a fazer. O bicho vai cair de um a um e morrer tudim. Vai tudo virar comida de
arubu e carcará. Já deixemo de comer pra dar comida aos bicho, mai agora num
tem lá nem aqui...”.
“Confie em
Deus, homem, confie em Deus. Deus há de dar a nossa sarvação. Nem a gente nem os
bicho vai morrer nessa fogueira não. Quarqué hora a chuvarada vai cair e tudo
vai se sarvá...”.
O
entristecido sertanejo saiu à porta e avistou o que jamais desejava. Só tinha
cinco vaquinhas e duas acabavam de arriar de fraqueza, pela fome e pela sede. Deus
do céu, disse gritando por dentro.
De repente
surgido pelos espaços de sol escaldante, um urubu se aproximava. Depois mais e
mais outro, muitos. Enquanto isso, pelo vão da janela, Zulmira se lançava em
rogos, em rezas e orações perante aquela medonha situação. Um velho rosário
passeava em seus dedos como gesto de busca de salvação.
Perante a
aproximação dos urubus, o aflito sertanejo correu para espantar os carnicentos,
mesmo que ainda não houvesse animal morto. Mas se chegassem os carcarás não
teria como dar jeito. Seus bicos afiados dizimariam as vidas ainda pulsantes
nos bichos. Furariam olhos, sangrariam os pescoços, depois dilacerariam o que
restasse além do couro e do osso.
E apareceu
um carcará, postando-se à espreita no alto da catingueira. Deus do céu! Exclamou
Querôncio. Ficou em tempo de endoidar, sem saber o que fazer. Homem de tanta
experiência, mas transformado numa nada perante aquela situação.
Procurou
um pedaço de pau e correu pra perto dos bichos caídos. Precisava protegê-los.
Mas até quando? “Marido, olhe lá em riba!”. Gritou a mulher. Nuvens negras
surgiam ao longe. Talvez qualquer chuva pudesse cair, mas não ainda naquele
dia.
Passaram-se
três dias até que o nublamento se transformasse em chuvarada. E todos esses
dias, sem arribar um só instante de perto de suas crias, o sertanejo protegeu o
que lhe restava. E chorou abraçado à vaquinha quando a chuva começou a cair.
Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com
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