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domingo, 4 de novembro de 2012

A MORTE DO NOSSO E O QUANTO MORREMOS TAMBÉM (Crônica)


Rangel Alves da Costa*


Há três anos perdi minha mãe, D. Peta, falecida aos 65 anos. Agora no último dia 1º de novembro perdi meu pai, Alcino, falecido aos 72 anos. Três anos entre uma perda e outra. Se lá atrás já havia morrido também um pouco, agora morri outro tanto. O que me resta no corpo que eu possa chamar de vida?
Nos momentos de aflições, naqueles instantes dolorosos da perda, nos chegam os véus transparentes em palavras de conforto e encorajamento. Véus transparentes porque sem qualquer poder de verdadeiramente encobrir a dor, o sofrimento, a sensação de ter morrido um pouco também.
Mas a verdade é que morremos um pouco todas as vezes que perdemos alguém que na vida era de suma significação no nosso viver. Nos instante da morte, quando tomamos conhecimento da triste realidade, tal fato nos arrebata tão profundamente que até sentimentos que estamos morrendo também.
Ao nos depararmos com a realidade da perda, talvez a nossa morte não se complete naquele instante porque ficamos como que paralisados, sem acreditar, ainda sem a exata dimensão do acontecido. Chega-nos tudo tão rápido, tão inesperado, ainda que já estivéssemos tendo certeza que aquilo logo aconteceria.
É a força do impacto, da não-aceitação do inevitável. É instintivo, mas surge a absoluta recusa em acolher a situação. Mesmo em enfermidades que se prolongam e a permanência na vida só aumenta o sofrimento do doente terminal, ainda assim nunca achamos que aquele seria o momento mais apropriado para o seu descanso.
A não-aceitação ou a negação da morte é o que faz, a partir do despertar para a realidade, com que aquele que fica se sinta um pouco falecido também. E não raro a pessoa não fica apenas fragilizado a tal ponto de se sentir definhando, mas verdadeiramente quer morrer de verdade, naquele instante, de modo a ser sepultado junto com o corpo do seu.
Tudo provocado pelo amor sentido, pela afeição, pelos laços sentimentais que ninguém suporta verem desfeitos. É como se dali em diante não houvesse mais motivos para continuar vivendo, como se a vida não tivesse mais nenhum sentido sem a presença daquele que parte. E tudo envolto na dor, na agonia, na aflição, no mais profundo desespero.
E quando afirmo que a morte de alguém querido faz com que sentimos que morremos um pouco também, o faço ainda por outros motivos. E estes de cunho familiar, pessoal, de apego inseparável. Neste contexto surge a primeira indagação: o que fazer dali em diante se tudo era tão dependente daquele que se vai?
E mais dois questionamentos que estraçalham por dentro: Como superar aquela ausência, aquela falta, se a presença continuará em tudo e em todo lugar? Como reencontrar o prazer em permanecer vivendo, lutar com todas as forças para que aquela ausência, mais cedo ou mais tarde, se torne apenas numa lembrança boa?
Só mesmo o tempo para superar tudo isso, para ir diminuindo as dores da perda, os sofrimentos terríveis causados pela ausência. Ainda assim nunca haverá um esquecimento que se prolongue por muito tempo. Ora, o outro ser está na própria pessoa, no seu sangue, no seu sobrenome, na sua vida. Era mãe, era pai, era irmão, era familiar, era amigo, era alguém de profunda afeição.
Contudo, mesmo já tendo passado o período mais difícil e a pessoa vai seguindo sua estrada do jeito que pode, eis que os instantes da vida começam a trazer relembranças, a acordar os sofrimentos adormecidos. Os objetos pessoais que encontra, o velho baú reaberto, a fotografia na parede, a música que toca, palavras que ouve.
Então a lágrima ressurge como tempestade. A saudade torna-se insuportável, e tudo novamente começa a parecer difícil demais de suportar. Até que encontre forças para olhar ao redor e perceber a existência de pessoas que dependem de sua presença, de sua luta, de sua proteção, de sua vida.
Senti tudo isso quando perdi minha mãe há três anos. E agora, há três dias meu pai faleceu. Desde três anos atrás que já havia morrido um pouco. Nunca consegui me refazer daquela partida. E já fragilizado perco ainda mais do que em mim restava. E não sei até quando esse resto suportará existir.
  

Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com

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