SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



sexta-feira, 23 de novembro de 2012

UM PRESENTE PARA POÇO REDONDO (Crônica)


Rangel Alves da Costa*


Mesmo com controvérsias históricas acerca da efetiva data em que a então povoação pertencente ao município de Porto da Folha foi elevada à categoria de sede municipal, verdade é que se fixou a data de 23 de novembro como a comemorativa da emancipação política de Poço Redondo.
Assim, lá se vão 59 anos desde os idos de 1953 até a presente data. Mas comemorar o que, oferecer o que ao município e seus naturais? Daria para indagar de outro modo: Desse bolo construído ao longo dos anos, o que acrescentamos ao seu sabor, o que dele queremos provar?
As respostas estão nos nossos passos pelo lugar e arredores. O que encontramos é aquilo que construímos; nada existe independente de nossas vontades. Cimentamos, nos atos e atitudes, tudo aquilo que se nos depara no olhar, ainda que doa, ainda que revolte. E isto porque, como num contrato social, através do voto outorgamos a pessoas o direito de dar feição ao que encontramos por todo o município.
Mas nenhum governante, sob qualquer hipótese e em qualquer situação, jamais poderá modificar a essência do município, o seu conceito de sertão, as suas características tão próprias: o povo, o autêntico cotidiano do sertanejo, sua fé e religiosidade, o orgulho grandioso existente em cada um de ser tão sertão.
E é ao Poço Redondo, à nossa amada Nossa Senhora da Conceição do Poço Redondo, de um povo e chão com tais características que ergo a mão, e nela a voz, em oferenda para dizer: o meu presente, minha querida, é tão singelo como o seu viver noutras eras. Aceite, pois, o que te entrego nessa cuia dos tempos.
Aceite, pois nela há uma bandeja de cocada de frade, igualzinha aquela que Dona Cecília fazia; um copo de arroz doce que um dia Baíta preparou para suas tardes; pedaços de cocada branca que Dona Quininha colocava na sua janela; pirulitos deliciosos como aqueles preparados por Dona Luisinha.
Aceite, pois nela há um canto e uma melodia, há um pífano e um zabumba, um povo festeiro, uma gente alegre, um som madrigal da família Vítor que já vem pela Rua de Baixo, entrecortando seus sopros com os foguetórios que anunciam a festa da Padroeira. E bate a caixa, sopra o pífano que ainda avisto Alzira dançar.
Aceite, pois nela há o que não mais existe ou pouco se cultiva. Há festa de cavalhada, autêntica pega-de-boi, dança do pastoril, o leilão e a quermesse, a pescaria de presente barato, o matuto que puxa o fole e faz o povo dançar. E um pau de sebo, um quebra-pote, uma brincadeira de entrudo, a criançada brincando de roda.
Aceite, pois nela há acordes daqueles repentistas que Seu Ermerindo trazia; há um caju verdoso do cajueiro de Luis Doce; há uma velha fotografia em preto e branco tirada por Seu João Retratista; há um sapato velho transformado em novinho pelo engraxate Manezinho Tem-Tem; há uma voz afinada de Zelito de Zé Aleixo pelos salões ao redor.
Aceite, pois há nela o inesquecível barulho das águas velozes enchendo o Riachinho Jacaré em noites de trovoadas; há três pedrinhas brancas iguaiszinhas àquelas que Seu Candinho mandou um dia – e tão belamente - espalhar ao redor do coreto da Praça da Matriz; há um chocalho forjado por Galego do Alto, um chapéu de couro trabalhado por Brasilino e um livro escrito por Alcino.
Mas também, minha querida Nossa Senhora da Conceição do Poço Redondo - mesmo sabendo que não será fácil me atender -, peço que um dia me conceda a graça de ver meu povo um pouquinho diferente do que é agora. Um pouquinho só, e já basta.
Um povo mais politizado do que político; um povo sem armas no lugar da palavra; um povo que tenha, principalmente, o dom do olhar: enxergar o ontem para não viver apenas a partir de agora.
Um povo que mesmo sendo forasteiro, aves de arribação, não pretendam subestimar a capacidade dos naturais, dos que nasceram no berço, pois somente conhece a raiz aquele que vingou de suas entranhas.
Por fim, minha querida, ofereço-te um ramo de ouro colhido nas galhagens da velha Catingueira-Mãe. Aceite, é de coração!


Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com   

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