SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



terça-feira, 6 de novembro de 2012

MANDACARU TEM FLOR (Crônica)


Rangel Alves da Costa*


Mandacaru tem flor. Floresce mandacaru!
Tanta sina, tanta vida, tanto destino de desalento e solidão, esperança petrificada desse sertão. Povo faminto, povo tão nu, esperando a flor do mandacaru.
Tempo aberto, sol escaldante, calango passando, cobra sumindo debaixo da macambira, um tatu e um preá, tudo nesta vida e nela tudo que há. Nas pedreiras o urubu, espante o bicho mandacaru!
Alvorece, vem o dia, a tarde chega escaldante, um entardecer num rompante caminhando para o anoitecer. Tudo passa sempre assim, sem revoada ou pio de passarim, sem nuvem ao norte, sem nuvem ao sul. Floresce mandacaru!
Maria foi passear, tomou o destino do mato, cortou vereda e caminho, pisou em ponta de pedra, pisou em ponta de espinho, mas seguia sem destemor tentando encontrar a flor. No cansaço que chegou, sentou no chão e chorou, queria apenas a flor, a cor do mandacaru!
Gavião ronda a magreza, urubu vem rastejante, imagina que num instante o bezerro vai cair, o bezerro vai morrer, e a carniça a lhe sorrir. Enquanto a morte não vem, enquanto a danada não grita, o carnicento faz seu voo e pousa no mandacaru. Os olhos avermelhados na flor do mandacaru!
Menino sertanejo danado, traquina de descampado, quando se vê aperreado corre pro mato em fuga. Como não tem com o que brincar, pula e pega o sol com a mão, e nele dá um chutão rumo ao mandacaru. A ponta do espinho no sol explode em girassol, a flor do mandacaru!
Mandacaru tem flor, é vermelha, é azul, é uma cor de toda cor a flor do mandacaru. Quando chove é jardim, mas se chuvisca brota enfim o que mais parece jasmim. Na ensolarada dos dias, em meio a lamentos e agonias, ninguém mais enxerga a flor na dor do mandacaru.
Depois da molhação da trovoada, enchendo tanque, alagando estrada, a caatinga se transforma. Faz festa a bicharada, a mata toda animada louvando a graça divina, e o mandacaru com a sina de agradecer ao Senhor. Abre os braços numa prece, em cada lado uma flor!
Sertanejo agoniado, catando comida pro gado, corta palma e capim, corta mato e o que encontrar, num desespero sem fim. Desce o machado em tudo, derruba até aroeira pra fugir da desgraceira que é a fome do bicho. Só não corta o espinhento, altivo e arreliento, a flor do mandacaru.
A Velha Sinhá se alevanta, mija em riba da planta que é pra ela não morrer. Depois abre a porta da frente, já sentindo o bafo quente do sol mais perto da terra. Eleva a Deus uma prece, numa fé que não esmorece, desejando boa sorte. Ergue o olhar para o norte, no piado da nambu, e os olhos pensam avistar uma flor no mandacaru!
Tanta seca, tanto cinza, tanto calor de fogaréu, nenhuma nuvem no céu, dia e noite o escarcéu. Fogo acende na mata, galho seco que desata e arrebenta no chão. No chão a devastação, no curral a berração, coisa mais triste o sertão. Canta triste o uirapuru, chora a flor do mandacaru!
Mas nem tudo é agonia, com o amor compensa-se a melancolia, e lá vai seguindo pro mato o apaixonado por Maria. Quer um presente encontrar, um trançado de caroá ou diadema de folha de jatobá. Vai ficando entristecido, pois o amor tão merecido não será presenteado. E assim todo pranteado encontra adiante um velho mandacaru. Mas cadê a flor, a flor do mandacaru?
Um dia, de manhãzinha quase noite, quando a brisa era açoite, apareceu um medonho pássaro soltando faísca dos olhos. A terra esturricou, o resto de água acabou, a fome disseminou, no sertão tudo murchou. Mas quando mirou a flor, a flor do mandacaru, numa nuvem se transformou.
E o sertão chuvarou, a trovoada trovejou, fartura de norte a sul. E tudo por causa da flor, da flor do mandacaru, que enquanto viver o sertão não morrerá. Então floresce mandacaru!
  

Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com 

Nenhum comentário: