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A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



quarta-feira, 7 de novembro de 2012

O PORCO-ESPINHO (Crônica)


Rangel Alves da Costa*


O porco não era assim, era lisinho lisinho, só depois de muito tempo ficou de vez porco-espinho.
Também não tinha essa cor, acinzentado em dissabor, pois nasceu todo branquinho até virar porco-espinho.
Nasceu um porco comum, com papa de jerimum, criança no seu cantinho, arreliento um bocadinho, até crescer e começar a sofrer quando virou porco-espinho.
Dizem que a mãe do porquinho, sempre deixando ele sozinho, saía a passear, e sem ter com quem ficar se largava no mundo a errar.
Apenas um porco sem pai, com uma mãe que tanto faz, ele vivia entristecido, pelos cantos aborrecido, desejando um carinho. E tudo isso fez nascer no coração um espinho.
Tinha o pelo normal, sem a ninguém fazer mal, pelo de bicho qualquer e bom de fazer cafuné. Mas quanto mais ia crescendo, na solidão padecendo, no seu corpo, de cantinho a cantinho, foi surgindo mais espinho.
Um dia a mãe o avistou e desesperada gritou: aquele não era seu filho, apenas bicho sem brilho e parecendo um arame, no pelo aquele vexame de estar tomado todinho de espinho e mais espinho.
E não pensou muito não, logo lhe deu um safanão que o coitado caiu deitado. Levantou amargurado, pela mãe ser enjeitado era a maior dor do mundo. E tomou a estrada pra ser porco vagabundo.
Levando no peito desatino, o porco ainda era menino, mas abandonado e sem destino. E para aumentar o problema, talvez o maior dilema fosse o pelo espinhento, um fardo a carregar feito cachorro sarnento.
Nunca um bicho sofreu tanto como sofreu o porquinho. Perdido no mundo, não achava seu caminho, se encontrava uma toca ali fazia de ninho. Noite e dia assim, nesse sofrimento sem fim, tudo ao seu redor parecia tão ruim.
Passou frio e calor, na fome nenhum sabor, pesadelos de horror. Numa madrugou levantou, botou o focinho no tempo e na estrada saltou. Pôs-se a caminhar, ouviu um galo cantar, o alvorecer despontar, até o sol lhe esquentar.
Avistou tudo ensolarado e um pouco mais animado sentiu o estômago vazio. A fome dá arrepio, fraqueza e calafrio de enlouquecer um. Na mata um zum-zum-zum, viu que ali cabia mais algum e se apressou para lá.
Mas quando entrou na mata, a bicharada desata pelas veredas a correr. Olhou sem compreender aquela recepção, depois lhe veio a recordação de magoar coração. Não era bicho igual, era um ser diferente, muito pior que serpente, tudo um desalinho: era porco-espinho.
Mesmo sem ter amigo, fez dali o seu abrigo e foi ficando no lugar. Andava de cá pra lá procurando avistar quem quisesse conversar. Mas à visão do porco-espinho e fugia o passarinho, fugiam gambá e caititu, corriam gavião e urubu.
Num mundo de solidão, quis conversar com a pedra, mas ela respondeu não; quis prosear com a terra, mas ela escondeu-se no chão; quis ser amigo da onça, mas nem lhe deu atenção. Mas não fica assim, disse o porquinho, tomando uma decisão.
Vestiu-se de natureza, chega ficou uma beleza. Folha de bananeira, uma flor de quixabeira, e saiu a caminhar, e com voz altiva logo começou a perguntar onde ficava o cabeleireiro do lugar.
O cabeleireiro, coitado, quase caiu estatelado com a visita recebida. Nunca tinha trabalhado com aquilo em toda vida. Mas disse ser impossível transformar tanto espinho num pelo todo soltinho.
Mas chamou o porco num canto e contou-lhe um segredo. Este ficou com medo, mas resolveu aceitar. E o cabeleireiro tocou ali e acolá e deixou tudo no lugar, sem nada mexer, sem nada modificar. A única coisa que fez foi os espinhos lavar.
Cheirando a bom perfume, o porco saiu do salão, a bicharada ao redor ficou cheia de ciúme. Naquele salão só entrava o brilho do vaga-lume. E assim todo imponente foi sendo cumprimentado, bons olhos de todo lado e ele já desconfiado.
Não ficando mais sozinho, roçava no outro o espinho e ninguém dizia nada. Mas que vida desgraçada, disse o porco um dia, só porque fui ao salão, trouxe de lá essa ilusão que me sustenta aqui.
Basta fingir aparência, mesmo ferindo com espinho, que recebe até carinho nessa vida de demência.

  
Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com

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