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sábado, 10 de novembro de 2012

O POEMA PERFEITO (Crônica)


Rangel Alves da Costa*


Diferentemente da poesia, que possui intenso brilho estético, ritmos rimados ou não, uma estrutura muito mais enxuta do que a longa versificação, o poema é mais extenso. E este também traz no seu bojo um enredo, uma trama, épica ou não, como verdadeira prosa poética escrita em versos.
Diante de tais características, logo se tem que a poesia é um tanto descompromissada com a estética narrativa. Poesias são escritas que somente os próprios poetas as têm como tais, pois sem brilho ou emotividade. Já o poema sempre procura chegar a algum lugar. Dificilmente um poeta se entrega ao poema sem pretender-lhe um desfecho grandioso.
Poesias são escritas com versos simples, com rimas pobres ou primorosamente elaboradas. Possuem versos perfeitos ou simplesmente um arremessar de palavras desconexas diante do leitor. Por se voltar mais ao subjetivismo e a expressão intimista do autor, muitas vezes cada um dá uma leitura diferente ao escrito.
Cecília Meireles soube muito bem caminhar pelos dois gêneros separadamente. Em alguns instantes escreveu apenas poesias, como em Motivo e em Timidez, e em outros apenas poemas. Romanceiro da Inconfidência é a perfeita exemplificação de poema. Contudo, autores existem que mesclam os dois gêneros no mesmo escrito. Um bom exemplo é Walt Whitman e o seu famoso Folhas de Relva. Neste verifica-se a poesia dando brilho, cor e intensidade ao poema.
Mas um dia, num tempo de data indecifrável, muito distante mesmo, cansado de escrever poesias em folhas, na madeira bruta, em pergaminhos, em folhas de barro, pelas areias e no que encontrasse, um jovem poeta decidiu que já era tempo de começar a escrever o poema de sua vida. Entretanto, não queria apenas um poema, mas o mais belo e perfeito, algo que ficasse para a posteridade, e sendo continuamente admirado.
Mesmo ainda muito jovem, enquanto poeta de poesia já havia alcançado todos os méritos e reconhecimentos. Certa feita a lua ficou três dias seguidos, ainda que confrontando o sol, em busca de uma palavra de esperança amorosa. Outra vez, fez as ninfas, as sereias e as deusas dos campos floridos ficarem perdidamente apaixonadas pelos seus versos de amor e encantamento.
Mas agora queria um poema, e um que fosse o mais perfeito, com versos jamais escritos com tamanha agudeza espiritual e refletindo a um só tempo a voz do coração e a beleza nos feitos que seriam descritos. Eis que somente assim alcançaria as graças da musa da brisa perfumada. A razão da existência dessa musa seria a sua inspiração.
Nessa intenção, durante um ano ficou diante da imensa tábua pensando em como começar o poema, quais as palavras exatas para a perfeição dos versos. O ano seguinte passou inteirinho chorando porque ainda não havia conseguido iniciar sua magistral obra. Mas num segundo tomou uma decisão.
Com a humildade dos verdadeiros artistas das palavras e versos, seguiu em busca do aconselhamento dos sábios. Sabia muito bem que os sábios, enquanto poetas do pensamento e das ideias, poderiam muito bem orientá-lo em como melhor abrir os portais daquele maravilhoso mundo que queria adentrar para encantar sua musa. Queria principalmente encontrar o verso inicial, aquele que servisse de luz para o seu poético percurso.
Encontrou o sábio da eternidade refletindo no alto de uma montanha sagrada. Já era entardecer, com horizontes entre o vermelho e o alaranjado. O velho ouviu-o atentamente e em seguida pediu para que olhasse ao redor e depois expressasse o que sentia naquele momento. Então o jovem mirou as distâncias e disse que a razão de ser da vida estava também naquela paisagem. E foi a voz do sábio afirmar: Então comece o seu poema a partir da visão desse momento.
O poeta não ficou tão contente como esperava. Da resposta ouvida, e ainda que jamais esquecesse o que tinha visto ali do alto da montanha, não tinha certeza se conseguiria encontrar as palavras exatas para a descrição. E assim, na dúvida, seguiu procurando outro sábio, que encontrou dois dias depois orando ajoelhado à beira de um rio de água cristalina.
Após explicar a sua situação, o velho sábio pediu para que olhasse o leito sublime do rio e depois expressasse o que tinha visto. O poeta pensou estar diante do outro, só que noutra paisagem, mas cumpriu o desejado para depois ouvir do homem do tempo: Comece escrevendo o poema com a poesia do que maravilhosamente viste.
Após sair dali o poeta sentou numa pedra e começou a dizer a si mesmo que pouco proveito havia tido com aqueles dois encontros com os sábios, eis que os dois mandaram começar o poema pelas paisagens avistadas. A única diferença é que uma paisagem de entardecer e outra de um rio correndo como cenário.
E ficou pensando entristecido. E falando ao vento: O entardecer desceu nas águas do rio e começou a correr. E pulou espantado. Havia encontrado as palavras exatas para dar início ao poema mais perfeito já escrito na face da terra outra. Num tempo em que o mundo era realmente belo.

  
Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com

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