Rangel Alves da Costa*
De repente deu vontade de se olhar no espelho
e percebeu que ali não havia mais nenhum. Olhou todas as paredes, vasculhou por
todos os cantos e gavetas, procurou no armário do banheiro, mas nada de
encontrar um só espelho.
E se assustou. Começou a pensar em quanto
tempo já não se via, que não se olhava no espelho, e se tomou de espanto.
Talvez um mês, um ano, alguns ou muitos anos. E como estaria agora, como seria
sua feição naquele momento?
E começou a se preocupar. Levava as mãos ao
rosto, aos cabelos, tentava a todo custo sentir as diferenças surgidas,
imaginava coisas dolorosas, apavorantes. Passava a mão pelo rosto procurando rugas,
no entorno dos olhos buscando marcas, no lábio procurando flacidez.
E chorou. O desespero era tamanho que até
puxou alguns fios do cabelo para ver se estavam esbranquiçados. Nada diferente
pôde perceber. Estendeu as mãos e percorreu a pele com os olhos, mirou o
restante do corpo. Mas estava acostumada demais com a própria pele para sentir mudanças.
Somente o espelho para dar as respostas.
Mas cadê os espelhos? Ao menos um, que fosse
pequenino, embaçado na velha moldura, quebrado ou trincado, mas precisava de um
espelho. Mas cadê, onde está o espelho? Somente em momentos tais, de total
desespero, tanto se valoriza o poder do reflexo.
Pensou em sair correndo e perguntar ao primeiro
que encontrasse como estaria a sua feição naquele momento, se ainda jovial, se alegre
ou triste, já envelhecida e cheia de rugas, qualquer coisa. E tudo. Mas tinha
medo da resposta.
Ah, quanta aflição! Precisava urgentemente
saber como estava, reconhecer-se, reencontrar-se, conversar consigo mesma
diante do espelho. Sempre ouvia dizer que o melhor amigo da pessoa, aquele que
nunca mente nem omite nada, é o espelho ali pendurado no quarto ou no banheiro.
Mas agora lhe faltava esse amigo verdadeiro.
O que fazer, então, se o momento exige esse
reencontro, essa visão da pessoa consiga mesma? Danou-se a abrir gavetas,
remexer em álbuns, em tudo que pudesse mostrar retratos e fotografias. E
encontrou. Contudo, retratos antigos e seus sorrisos de criança, de
adolescente, de mocinha. Mas foi pior.
Aqueles sorrisos retratados provocaram uma
pergunta devastadora: e se eu já estiver totalmente diferente desses retratos,
com olhos distantes e tristes, a pele marcada pelas dores da solidão e do
sofrimento, apenas um espectro do que fui um dia?
E indagou ainda mais: e se de minha boca não
surgir mais qualquer sorriso, de meus olhos não aparecer qualquer brilho, de
meu rosto a negação do que fui um dia? Não podia avistar sua face escorrendo em
pranto, seu aspecto sofrido e desesperador.
Gritou pedindo um espelho, implorando por um
espelho. Mas estava sozinha, trancada, distante, solitária demais para ser
ouvida. Então correu para a cozinha e colocou água numa bacia até transbordar.
Depois tentou avistar-se no espelho d’água. Apenas as lágrimas caindo sobre a
água e a sua feição distante e distorcida.
Que situação! E num instante já estava com o
rosto mergulhado na bacia, talvez tentando tirar da face aquilo que não
desejaria que um espelho refletisse. E ao erguer a cabeça, toda molhada, disse
para si mesma que havia se enxergado de olhos fechados.
Em seguida se apressou até a janela. Quase
não consegue abri-la depois de tanto tempo fechada. Mas abriu os dois lados e
deixou que o sol entrasse com todo seu esplendor. Os olhos ardiam, mas
manteve-os abertos num gesto desesperador.
E depois abriu os braços e sorrindo gritou:
Sou bela, ainda sou tão bela. Veja como a luz do sol me reflete e diz que ainda
sou tão bela. E um passarinho pousou no umbral da janela e ficou mirando a moça
bela.
Sim. Não importava a idade nem as marcas do
tempo no corpo e na feição. Ainda era tão bela. E ninguém pode negar o espelho
da alma.
Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
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