Rangel Alves da
Costa*
A tarde
começou duvidosa, como se dizia por lá. Nem sol nem tempo de chuva, nem a
fulgurante cor pelos descampados ao redor nem nuvens carregadas passeando lá em
cima.
Também nem
calor nem friagem, apenas um tempo sombrio e de lufadas de vento. Era um tempo
cinzento e triste, como também se dizia por lá. Daqueles que vai remexendo por
dentro e acaba trazendo angústias e entristecimentos.
As ruas
desertas, becos sem a correria da meninada, calçadas solitárias sem os seus
habitantes e proseados. Nenhuma roda de amigos debaixo dos arvoredos, ninguém
passando apressado para cuidar de sua vida e também da dos outros.
Um
silêncio profundo e estranho para aquela hora do dia. Muito diferente do
avistado e tido em outros dias. Não se ouvia vozes oferecendo arroz doce nem
mungunzá, cocada branca nem bolo de milho.
As portas
da igrejinha estavam abertas, mas não se via nenhuma beata se arrastando
vagarosamente pelo peso de sua língua ferina, de seu rosário cheio de fofocas
para espalhar entre as amigas de mesma fé e mesmo pecado.
A mulher
doente não gritava suas dores como fazia todo dia. Ninguém sabe se havia
morrido ou não. O maluquinho não era avistado catando pedras pelas ruas esburacadas
para jogar em quem passasse sem lhe dizer que aquela noite seria de lua cheia.
A velha
rendeira não havia levado sua cadeira de balanço para debaixo do pé de pau,
onde ficava até a boca da noite fiando um pano de mesa que nunca acabava.
Também pudera, eis que a mulher botava a linha na agulha e depois se danava a
chorar de saudade.
A
solteirona não colocava a cabeça da janela de instante a instante. Quando a
tarde chegava, ela se enfeitava toda e corria até a janela para ver homem
passar, mas de minuto a minuto voltava para se olhar no espelho e ver se
continuava a mais linda do mundo. Mas naquela tarde ela ainda não havia dado
qualquer sinal que já estava emperiquitada.
Parecia
mais um lugar vazio, abandonado pela população, entregue à própria sorte do
tempo. Quem olhasse de canto a outro, desde a curva da rua até desembocar na
ladeira lá de baixo, nada encontrava que dissesse que ali viviam pessoas
barulhentas, inquietas, que gostavam de estar pelas ruas sem fazer nada.
As portas
e as janelas pareciam fechadas. Todos pareciam também adormecidos ou recolhidos
lá dentro. Nem os gatos e cachorro apareciam pelos becos para dar sinais de
vida, de que alguma coisa estava normal naquela hora do dia.
Um pouco
mais, com tudo continuando no mesmo silêncio inquietante e no mesmo
sombreamento, o vento começou a soprar mais forte pelos lados da montanha
adiante. E na força do vento o lugar parecendo varrido de suas folhas mortas,
das galhagens secas e velhos papéis rasgados pelos cantos.
Quanto
mais soprava mais forte mais o vento esvoaçava os restos de outono, as folhas
frágeis e mortas espalhadas pelos canteiros. As árvores se balançavam, rangiam,
dobravam seus galhos em melodia triste e melancólica.
O vento
zunia um canto gemido, entoava uma plangência de dor e tristeza. Tudo estava
mais escurecido, mais arrepiante, mais esvoaçante. O horizonte foi tomado de
sobras escurecidas, nuvens cheias começaram a pousar lá em cima, vapores
quentes subiram da terra. Era um bafo quente e cheirando a trovoada, a
tempestade.
Quando o
vento se fez ventania e as janelas começaram a se abrir sozinhas, a se debater
de lado a outro, era o momento de se esperar que as pessoas aparecessem para
fechá-las, para saber o que estava acontecendo lá fora. Mas não.
A ventania
abria portas, entrava de casa adentro, tremulava varais, derrubava árvores e o
que fragilmente encontrasse, mas ninguém aparecia para tomar pé da situação. E
o que era tarde logo se transformou em noite quando a tempestade começou a
cair.
A
chuvarada forte só cessou ao amanhecer. E mais tarde, quando o sol voltou a
surgir, as pessoas apareceram nas suas portas como se nada diferente tivesse
acontecido. Uma vida normal, apenas com a diferença das ruas lavadas e da terra
encharcada.
Somente
anos depois tal situação foi devidamente esclarecida. É que todos,
indistintamente, estavam recolhidos em orações para chegar o tempo de ventania
e tempestade. Precisavam da chuva para sobreviver.
Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
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