Rangel Alves da Costa*
Grande parte da obra do eternamente genial Jorge
Amado é tecida num misto de inventividade e memorialismo. Foge ao conceito de
ficção porque são perceptíveis relatos de vivência do autor como pano de fundo
para tramas inteligentemente elaboradas. Passo a passo recorre à sua própria
vivência, bem como de seus familiares e lugares conhecidos, para dar maior
realismo à sua escrita.
A experiência pessoal de Jorge Amado, desde o
menino grapiúna ao moço viajante pelos recônditos nordestinos, é toda
transcrita nos seus livros. Dentro da invencionice do escritor há sempre o
próprio autor transcrevendo suas memórias. E por isso mesmo situa tanto sua
obra no seu berço de nascimento, a região cacaueira da Bahia, como situa
retratos sergipanos ora como personagens ora como cenários.
Ora, Jorge nunca negou suas raízes sergipanas
nem seu amor por estes caminhos desde que se refugiou por algum tempo na casa
de seus avôs na região de Itaporanga. E mais tarde alargaria seu passo para
outras localidades, e também aquelas de dunas ribeirinhas que mais tarde seriam
recordadas em livros como Tieta do Agreste. Daí as fiéis descrições de
paisagens, logradouros aracajuanos e interioranos, bem como acerca dos famosos
cabarés citados em suas obras.
Na obra amadiana, Sergipe primeiro surge como
história, e também como história permanece na ficção. Seu pai, o Coronel João
Amado, era um sergipano arribado pras bandas cacaueiras do sul da Bahia,
montando fazenda num mundo de tocaias entre Ilhéus e Itabuna. O autor nasceu no
distrito de Ferradas, em Itabuna, mas passou toda a infância em Ilhéus.
Contudo, aos treze anos fugiu de um internato e veio parar na casa de sua
família paterna em Itaporanga.
O primeiro casamento de Jorge Amado se deu no
município de Estância, em 1933, com Matilde Garcia Rosa. Aliás, a região
estanciana era costumeiramente visitada pelo escritor, onde tinha muitos
parentes e também como forma de fugir às perseguições políticas. Conforme Luiz
Antônio Barreto, “Em Estância Jorge Amado viveu capítulos singulares de sua
vida, que jamais esqueceu. O seu coração batia no ritmo estanciano do casario
colonial, do Hotel Vitória, da Papelaria Modelo, da Sociedade Monsenhor
Silveira, e deixou, em cada um dos amigos e conhecidos, uma imagem amiga, doce,
irreverente algumas vezes, mas sempre acomodada no bucolismo da paisagem”
(Jorge Amado em Estância - www.infonet.com.br/luisantoniobarreto/ler.asp?id=67674).
Por isso mesmo não é mero exercício de
romancista quando Jorge Amado tanto situa Sergipe na sua obra. O faz como
transcrevendo um diário de campo, rebuscando vivências, colhendo as memórias de
suas andanças em terras sergipanas. É como se um mapa estivesse à sua mesa de
escritor e ele avistando os percursos e rememorando ou recriando os fatos.
Em “O menino
grapiúna”, diz que “Os vagabundos ainda demorariam a fazer parte de meu
universo, do meu cotidiano. Com eles comecei a tratar quando, aos treze anos,
fugi do internato dos jesuítas e atravessei o sertão para chegar a Sergipe, à
casa de meu avô”. Em “Cacau” relata acerca de uma fábrica mantida por seu pai
na antiga capital de Sergipe: “A cidade subia pelas ladeiras e parava lá em
cima, bem junto ao imenso convento. Olhando do alto, via-se a fábrica, ao pé do
monte pelo qual se enroscava a cidade”. “Talvez não fosse bela a velha São
Cristovão, ex-capital do Estado, mas era pitoresca, pejada de casas coloniais,
um silêncio de fim de mundo, as igrejas e os conventos a abafarem a alegria das
quinhentas operárias que fiavam na fábrica de tecidos”.
Tereza Batista nasceu nas margens do Rio Real, nos
limites da Bahia e de Sergipe. Cita Jorge Amado que “A badalada estréia de
Tereza Batista no cabaré Paris Alegre, situado no Vaticano, na área do cais de
Aracaju, no país de Sergipe Del-Rey, teve de ser adiada por alguns dias”. “Nos
quatro cantos da Praça Fausto Cardoso, onde se eleva o Palácio do Governo,
tabuletas coloridas anunciam para muito em breve no salão do Paris Alegre a
Fulgurante Imperatriz do Samba”. E prossegue: “No cabaré Paris Alegre a
juventude doirada de Aracaju se diverte a preços razoáveis”. Em Aracaju também
o Café e Bar Egito e cabarés: Torre Eiffel, Miramar, La Garçonne, Ouro Fino.
Faz ainda
muitas referências a Estância, a Boquim, a Mangue Seco, dentre outras
localidades. Com relação a Estância, sintetiza: “formosa e doce terra, couto
ideal de amigações, cidade única para nela se viver um grande amor...”. E Tieta,
de “Tieta do Agreste”, reinava igual cabra afoita desde menina pelas dunas de
Mangue Seco, às margens Rio Real, na divisa da Bahia com Sergipe.
Natário da
Fonseca, temido capanga, e depois capitão, de “Tocaia Grande”, se tornou
poderoso nas terras cacaueiras depois que matou um comerciante numa casa de
putas de Propriá. De Lagarto era a
rapariga novinha apelidada de Zezinha do Butiá. E “Não escapou nenhum dos
jagunços do coronel Elias, pistoleiros de renome, trazidos do sertão de Sergipe
d’El Rey, terra de valentes”.
E muito de
Sergipe eternizou Jorge Amado, e o fez na mesma medida do acolhimento recebido
quando precisava descansar, conhecer pessoas simples e cativantes, escrever,
refugiar-se da intolerância política, larguear suas raízes nas terras d’El Rey.
Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
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