Rangel Alves da Costa*
Doido que é doido de verdade não anda fazendo
doidices. Doidice é coisa pra quem se acha em completa sanidade, sem nenhum
parafuso a menos. O doido não se transforma para praticar doidice. Esta é
própria daquele que pratica o que seria próprio do doido.
Sei que surge uma confusão danada, mas é
assim mesmo. Quando alguém diz que o outro só estando doido pra fazer isso ou
aquilo, logo se supõe que o mesmo não é mentalmente desequilibrado. Se o fosse
estaria justificado.
Mas ninguém diz que o doido, aquele mesmo de
pedra, só estando normal para não estar praticando doidice. É que o doido é
sempre visto na impossibilidade de agir com normalidade, de ter atitudes
próprias e razoáveis iguais aos dos ditos equilibrados. Será ainda doido mesmo
que não pratique nenhuma doidice.
O pior é que a fama não se desgarra. O doido
de atitudes normais, equilibradas, conscientes, não deixará de ser tido como o
insano perigoso e que a qualquer momento poderá agir desastradamente. Mas o ser
humano que não tem qualquer distúrbio mental e assim mesmo só vive praticando
maluquices, então este será visto como portador de transtornos passageiros ou
simples rompantes de insanidade.
Por mais que o dito normal viva praticando
loucuras, com atitudes que nem mesmo os doidos varridos são capazes, mesmo
assim terá em seu favor a desculpa da incoerência, da ação impensada, do
desequilíbrio emocional, dos nervos à flor da pele. Ora, mas se não muda de
jeito nenhum, não há nada que o faça agir com cautela e sobriedade, isto não
deverá ser visto como completa loucura?
E como fica o doido de pedra diante dessa
situação, diante do outro doido mais doido ainda, mas acobertado sob o manto da
desculpa? Coitado do doido verdadeiro perante o disfarçado. Coitado de quem
acha que o perigo real está naquele que não se transmuda para agir, que reside
na insanidade sem máscaras. E coitado porque pode provar da loucura de quem
aparentemente não é capaz de provocar nenhum mal.
Somente loucos para achar mais perigosos os
doidos de pedra àqueles que se dizem normais e que andam por aí. Creio que a
loucura imputada ao ser humano mentalmente afetado é apenas uma desculpa para a
insanidade coletiva, para a sociedade cheia de distúrbios e contradições.
Um doido diante do outro logo demonstrará
onde está a verdadeira loucura. Ali o maluco, o desajuizado, o louco de pedra e
flor, o insano que namora a lua, quer voar, que faz careta ao desconhecido, que
desconhece o conhecido. Doido na sua solidão, na sua janela, no seu quarto, no
seu silêncio ou no seu grito. E uma doidice reconhecida por atitudes tão
características: assim age porque não tem consciência nem do certo nem do
errado. É doente.
Mas também ali o outro doido, o doido de
perigo a toda prova, pois seu distúrbio está no destemperamento, na arrogância,
na violência, na desvalorização do próximo, no achar que todos devem submeter
às suas loucuras. E mais perigoso ainda porque possui arma e sabe usar, sabe
muito bem atingir e maltratar quem deseja, tantas vezes premedita para ferir.
De um lado o doido com sua patologia, seu
distúrbio psíquico, seus problemas neurológicos. Este tem uma lua, tem uma
pedra, tem um grito, um sorriso exagerado, um silêncio profundo, uma angústia
terrificante. E do outro lado o desequilibrado, o psicopata social, o transtornado.
E este com seu dedo em riste, sua arma na cintura, sua palavra arrogante, sua
língua viperina, a bestialidade revestida de humano.
Quem é o doido, afinal? Depende do tipo de
loucura que você aceite. Prefiro sempre me arriscar passando perto de alguém
que reconhecidamente tem pouco juízo a ser avistado por alguém que esconde nos
olhos a covardia e a traição.
Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
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